terça-feira, 28 de abril de 2020

A Lenda do Pão Milagroso (de Alma Welt)

Numa aldeia do sul da Itália, durante a Idade Média, não sabemos bem o ano, uma jovem bonita de origem camponesa, órfã, chamada Angela, criada por uma família pobre que a adotara ainda pequena, querendo agradar os seus pais adotivos, um dia sozinha na pobre cozinha fez um grande pão doce, com os ingredientes comuns ao seu alcance e serviu-o pela manhã aos velhos pais. O velho casal comendo aquele pão ficou maravilhado com o seu sabor, tanto mais que não sabiam que a menina tinha dotes culinários, e era para eles já uma benção ser ela própria doce e meiga. Logo pediram para a garota fazer mais, para distribuir um pouco aos vizinhos, já que aquela era uma comunidade particularmente solidária. Os agraciados com aquela dádiva também ficaram deslumbrados com a verdadeira iguaria que era aquele simples pão adocicado, que parecia deixar as pessoas imediatamente felizes ao saboreá-lo. Naturalmente alguns pediam a receita à menina, que a cedia de bom grado, generosamente dando a lista muito simples dos ingredientes e as quantidades. Entretanto não conseguiam nem chegar perto de igualar a maravilha do sabor original do pão especial da Angelina, como chamavam carinhosamente a mocinha, que parecia deixar imediatamente as pessoas felizes, mesmo naquela pobreza geral.

Aconteceu que a fama daquele pão milagroso se espalhou pela região, que coincidentemente ou não, recebeu naqueles dias a visita do arcebispo do condado, que se instalou no casarão mais vetusto e digno da aldeia, do qual fez sua casa episcopal.

Ouvindo falar da única novidade daquela aldeia, imediatamente mandou chamar aquela família e interrogou-a um tanto rispidamente sobre aquele pão que o povo já chamava de milagroso. Exigiu que a família lhe trouxesse um exemplar para prová-lo segundo as regras da Igreja. A menina se esmerou, como sempre, e o arcebispo ao prová-lo ficou subitamente deslumbrado, mas logo se controlou, fechou o cenho e disse ameaçadoramente:
- O que é isso? Este pão tem um sabor celestial, nos remete ao paraíso, e isso é blasfêmia! Por acaso és uma santa ou um anjo? Apesar de teu nome, certamente que não! O paraíso nos foi interditado por Deus. É um imenso pecado trazer-nos, deste modo comezinho, a ilusão pecaminosa da felicidade terrena.
És uma bruxa, rapariga, e vais pagar por tal blasfêmia perante nosso Senhor Jesus Cristo e sua Santa Igreja representada aqui por mim! Mas antes vais confessar o ingrediente mágico ou o sortilégio que agregaste a este maldito pão. Vais repetir aqui na minha cozinha a tua falsa fórmula e se na conseguires o mesmo sabor saberei que excluíste marotamente o ingrediente mágico!

Angelina, assustada, se esmerou na cozinha do bispo e com os poucos ingredientes pedidos por ela, conseguindo o mesmo resultado maravilhoso.
Foi a conta... O bispo, furioso em seguida ao momento de prazer que ele prontamente exorcizou de si, gritou:

-És uma bruxa! Confessa o ingrediente proibido ou o feitiço que disfarçadamente puseste na massa. Qual é ele, confessa!

Angelina assustadíssima, em lágrimas, respondeu:

-Mas, Sua Santidade, é amor...

-Amor de Deus? - insistiu o arcebispo- Certamente que não. Acaso és um anjo? Os anjos se retiraram da Terra há muito tempo. Amor das trevas, isso sim! Não temos direito à felicidade terrena. Ninguém tem!

- Amor somente, Senhor... Simplesmente amor – gemeu a menina.

O arcebispo, mais furioso ainda, mandou que a torturassem para ela confessar o ingrediente secreto. Sem obter resultado, pois a menina, sob terríveis torturas afirmava que nada tinha escondido, nada tinha a esconder.

Então, na pequena praça daquela aldeia, sob os insultos dos aldeões e as lágrimas de alguns, também, Angela sofreu o martírio das chamas.

Diz a lenda, que no meio das cinzas restou não o coração intacto da donzela doceira, mas um pãozinho perfeito, quentinho e doce, que desde então se encontra, meio comido, como única relíquia venerada pelo povo, num escrínio na capela da aldeia...
FIM
28/04/2020