terça-feira, 6 de novembro de 2007

O aeronauta (de Alma Welt)


O Balão de Alma Welt- litografia de Guilherme de Faria,P.A. 70x35cm, s/ papel Arches


(Dos contos Pampianos de Alma Welt)

Daqui, desta varanda sobre o pampa infinito, fico horas a observar os longes, comparando a nitidez da linha do horizonte de hoje com a de ontem, e a beleza das nuvens, do seu arranjo sábio, estético, no enquadramento da mente, daqui, deste ponto de vista privilegiado, cuja referência é aquele grande umbu ali, a meio caminho do infinito.

Talvez eu espere, também, um cavaleiro ao longe, vindo a trote, enrolado num pala, ou a galope, vindo nesta direção... do meu coração solitário e expectante

Mas eis que o cavaleiro veio do céu, não da linha do horizonte, mas de cima, de cima... numa aeronave, um balão colorido!

Veio pairando, descendo, descendo, até lançar sua âncora em pleno gramado do meu jardim. Tive somente de levantar-me da minha cadeira de balanço e caminhar dez passos até ele, para tocar a sua mão e observar os brancos dentes do seu sorriso, de perto, reparando no azul celeste de seus olhos puros, claros.

Ele se identifica, Rolando, balonista, catarinense, da ilha do Desterro, vindo, pois, de tão longe. Como pôde ele chegar aqui neste Pampa, na fronteira do país “del oriente”? Ele promete contar sua aventura, depois de saciar sua imensa fome, com o nosso charque hospitaleiro. Rôdo, meu irmão, está encantado, e vejo-lhe nos olhos a tentação de aventureiro que é, de partir com ele, esse possível companheiro de uma aventura que ele ainda não experimentou em sua vida jovem, movimentada.

Eu fico ali a observar estes dois jovens, protótipos da beleza viril, do que há de melhor nestas terras do sul, se posso dizer assim, sem incorrer em preconceitos. Ah!Eu queria nesses momentos ser assim um jovem másculo, para partir com eles, sem perigo de promiscuidade, de uma moça entre rapazes, num espaço tão exíguo, contraditório no meio daquela amplidão.

Rolando não tira os olhos de mim, que me afastei, novamente, e recoloquei-me no meu ponto preferido de observação, a minha cadeira da varanda. Percebo que ele quer desembaraçar-se da curiosidade e entusiasmo de Rôdo, e a pretexto de dividir um pouco do charque e do vinho, se aproxima de mim. Eu sorrio e aceito uma lasca e um gole, brindando a ele, o aeronauta, herói que veio do céu.
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De noite rolo na cama, o calor não me deixa dormir, ou será a minha mente, melhor, meu coração inquieto? De calcinha somente, abro a porta do meu quarto, que dá para a varanda sobre o jardim, cujas touceiras brilha, fosforescentes sob o luar. Uma leve brisa do pampa evapora o suor do meu rosto, e faz um cafuné nos meus cabelos. Exponho meus pequenos seios a essa brisa que acaricia minhas aréolas e os bicos dos meus mamilos, que se tornam tesos. E eis que acontece o previsível: Rolando está ali, de repente, com a mesma idéia de fruir a brisa noturna desta noite predestinada. Só me resta permanecer natural em minha nudez, como e uma náiade do luar, e exclamar um singelo “oi” de saudação, como se ele fosse um indiozinho da mesma tribo, infantes da mãe Natura, sob as estrelas deste pampa.

Rolando se comporta de acordo e não desvia o olhar, para não parecer constrangido, ao contrário põe-se a conversar com naturalidade, a fala mansa, pousando intermitentemente o olhar sobre os meus mamilos, arrepiados pela brisa... agora deste olhar.

Então, ele finalmente me toca os ombros com suas as mãos fortes de balonista, e puxa-me para si, para os seus beijos, ternos, sábios, mas famintos. Depois, pega-me nos braços e carrega-me para o meu leito, onde vai fazer-me voar num balão noturno, numa barquinha de suave cetim, onde eu avistarei todas as estrelas do céu, e as sombras adormecidas do meu pampa, sob o meu olhar que voa, que voa, por esta noite querida, sem fim...
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De manhã, ao despertar, já não encontro Rolando em meu leito. Ergo-me, ligeiramente ansiosa, e sem mesmo lavar o rosto corro até a varanda, como se soubesse o que veria.

Rolando está recolhendo a âncora, e faz-me somente um aceno, a mim e a Rôdo, enquanto o balão sobe e se desloca empurrado pelo pampeiro matinal. O aeronauta me deixara no porto, como tantas, marinheiro dos ares, que não me carregaria consigo, já que eu voara com ele toda uma noite, enchera-me de seu sumo concentrado, de aventureiro, e podia partir porque eu o esperaria, como todas, que ele voltasse um dia, daquela linha do horizonte, que eu avistaria, não como “ *un p´o de fummo”, mas com a tocha acesa do seu balão colorido, com a sua barquinha de vime transmutada em seda, numa noite mágica...

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Nota * : “um p´o de fummo”: alusão ao verso da famosa ária da ópera Madame Buterfly de Puccini.

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