sábado, 27 de outubro de 2007

Fac-Símile de crônica da Alma


Nota de Editora:

Esta crônica da Alma, pungente, foi encontrada por mim, Lucia Welt, sua irmã, na arca de seus inéditos, hoje, no sótão do casarão aqui na estância, e resolvi publicá-la como documento scaneado. Basta clicar em cima para ampliar.

Entrevista com ALMA WELT

CAFÉ LITERÁRIO entrevista a poetisa e musa gaúcha

Nosso repórter, escalado para entrevistar esse novo fenômeno da nossa literatura, a contista e poeta (além de pintora), Alma Welt, gaúcha radicada em São Paulo, voltou com um ar meio siderado, quase em estado de choque, e adentrou a nossa redação com um sugestivo assobio. Contou-nos que foi difícil, a princípio, deslanchar a entrevista, pois a beleza da moça é, no mínimo, perturbadora. Descreveu-nos uma mulher de 28 anos, alta, muito branca, loura “luminosamente” natural, “rasgados” olhos verdes. A perfeição de sua pele, sem uma única mancha ou sinal, despertou no nosso pobre repórter aquela comparação em desuso: “pele de alabastro”. Além disso, a boca da moça, seus lábios cheios na medida certa (há uma medida?) eram de uma beleza “hipnótica”, como seus olhos verdes (de gata?). Tivemos que calar o entusiasmo do nosso repórter, exigindo dele, logo, a entrevista por escrito. Suspeitamos que o infeliz está irremediavelmente apaixonado. Tivemos que mandá-lo pra casa mais cedo, pra tomar um banho frio. Mas vamos ao que interessa. A entrevista:
CL: Alma, posso chamá-la assim ? É o seu verdadeiro nome, estou certo? Lendo seus livros temos a impressão de ser um pseudônimo, de tão adequado ao seu conteúdo. Welt ( mundo, em alemão) nos remete ao Anima Mundi, de Jung. O que você tem a dizer sobre isso?
ALMA: Meu pai já era um admirador de Jung, desde sua juventude, e é possível que tenha pensado nele ao batizar-me com este nome, já que o nome de família é Welt. Meu pai esperava muito de mim, não sei bem porquê, já que sou a caçula apenas das mulheres. Tenho duas irmãs mais velhas e um irmão dois anos mais moço, Rodolfo (Rodo), que é o que mais aprecio, embora seja bem diferente de mim.
CL: Percebe-se isso no seu conto “O Testamento”, aliás, belíssimo. Mas a personalidade do rapaz parece apenas esboçada nesse conto. Para dizer a verdade, uma espécie de Dimítri Karamázov, muito sintetizado. É intencional essa analogia não explícita? Pois a sua própria figura, Alma, no conto nos remete ao irmão caçula Aliocha, enquanto o seu Monsenhor Ângelo é nitidamente o stáriets Zósima. Estou certo?
ALMA: Sim, sim. É possível. Mas foi um processo inconsciente. Não pensei nisso quando escrevi o conto. Talvez as semelhanças sejam devidas à estrutura arquetípica da própria estória e dos tipos humanos que a compõe. Quando se escreve assim como eu, num fluxo espontâneo e contínuo de inspiração, ocorre que os personagens, naturalmente, ocupam posições demarcadas, como peças num tabuleiro invisível existente na vida. Daí, também associarem meus contos à psicologia junguiana, que conheço pouco.
CL: Alma, no entanto é notável, na sua maneira de escrever, a presença de uma cultura livresca, assimilada. E surpreendentemente, da natureza clássica dessa cultura. Como você a adquiriu? Você é uma grande leitora?
ALMA: Bem, eu li alguns clássicos. Não foram tantos assim, mas os li bem. Posso dizer que conheço bem a Ilíada e a Odisséia de Homero, mas por traduções, é claro, além dos líricos gregos de Safo a Píndaro. Conheço a literatura de Dostoiéwski e de Edgar Allan Poe, além de Hoffmann, meus preferidos. Mas não cabe aqui citar todos os autores que li. Meu pai era um grande leitor. Um erudito. E tinha uma grande biblioteca em nossa casa, na estância. Aliás, essa biblioteca ainda existe, como tudo o mais em nossa casa, que permanece como ele a deixou, de uma maneira um pouco mórbida, na verdade.
CL: A propósito, Alma, nota-se uma grande nostalgia da casa paterna em certos poemas seus, que me lembram o tom leopardiano do “Vaghe stelle dell’Orsa”...sul paterno giardino scintillanti”.
ALMA: Sim, sim, é bastante arguta essa tua ilação. Realmente, eu mesma pensei nisso a posteriori.
CL: Seria Leopardi, também, uma das suas influências literárias?
ALMA: É possível. Mas não estou preocupada. Sempre se sofre influências da grande arte ao nosso redor. Mas creio que o importante é o timbre e o teor da assimilação dessas influências. Eu amo a literatura, bem como a Pintura e a Música clássicas, e vivo imersa num mar de referências que me sufocaria se não estivessem naturalmente digeridas. Elas me perspassam como os raios de sol atravessam a atmosfera, agindo sobre ela e aquecendo-a. Desculpa-me a imagem um tanto pretensiosa...
CL: Não, Alma, está perfeitamente expressa. Concordo com você . Percebe-se essa assimilação perfeita de sua herança cultural. Você não parece pedante em sua literatura, mesmo quando cita autores famosos como Nietzsche, por exemplo. Aliás, percebe-se que você o leu bastante, ou gosta muito dele. É certo isso? Fale-me da “alegria mais profunda que a dor”.
ALMA: Sim, devo reconhecer que Nietzsche me impressionou muito. Já era um preferido do meu pai., talvez por sua ascendência germânica. Tu notaste a aposta que faço na profundidade da alegria, que é o aspecto mais simpático de sua doutrina. Mas nada de super-homem, nem de “vontade de potência”. Essas coisas são perigosas, embora deva reconhecer que foram distorcidas em seu propósito inicial, pelos nazistas com a colaboração da irmã dele, Elisabeth. Meu pai me falava sobre isso. Devo frisar aqui que meu pai era aristocrático mas não nazista. Aliás, ele tinha horror ao nazi-fascismo, o que já não se pode dizer de seus pais, meus avós. Mas a leitura de Dostoiévski me despertou a simpatia pelos pobres, humilhados e ofendidos, e fui procurá-los também na literatura brasileira e os encontrei em Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, que li bastante. Aliás devo dizer, que também para mim, como para muita gente, o Grande Sertão: Veredas é o maior livro do mundo, junto com os Irmãos Karamásovi.
CL: É curioso, Alma, isso tudo vindo de uma escritora com apenas 28 anos. Você não é muito contemporânea, você sabia? E além disso, você acaba de dizer, em outras palavras, que conhece o povo e sua miséria através da literatura, quando basta olhar em torno, neste nosso país, para depararmos com a pobreza e seus horrores. O que você me diz disso?
ALMA: Tu não poderias esperar de mim que me metesse na periferia para conhecer o povo, mas andei na caatinga nordestina, e narrei isso num conto: “Na trilha dos menestréis”. E você deve levar em consideração a intuição do artista. Um poeta ou escritor não precisa ter estado na África para descrevê-la e contar maravilhosas aventuras passadas em seus desertos ou em suas savanas. Há grandes exemplos disso. Meu pai, quando criança, lia os contos de um escritor alemão provinciano que nunca saiu de sua aldeia na Bavária, e escrevia, antes da Segunda guerra, best-sellers populares ambientados no Far-West americano, estórias vívidas e verossímeis de índios pele-vermelhas e cowboys, que eram exportadas até para os Estados Unidos. Os americanos as adoravam. Poderia, também, citar o famoso poema de Emily Dickinson: I never saw a moor...( eu nunca vi uma charneca )... (bem posso imaginá-la).
CL: Mas, Alma, não quero que pareça uma crítica, que, afinal, não é minha função, mas você não usa o povo brasileiro, como material, ou mesmo pano de fundo, a não ser num ou dois contos seus, no “Meu pequeno vizinho”, lindo conto, e singelo, parecendo uma crônica, e no belíssimo “Na Trilha dos Menestréis” O seu Jeová, o negro do conto “A Harpia”, a meu ver a sua obra prima, é um tanto idealizado, embora se perceba que isso é intencional, dado o caráter simbólico do personagem, dentro de um conto que é, todo ele, uma magnífica alegoria. Mas, mesmo naqueles, você não focaliza propriamente a pobreza, a privação, e a injustiça da nossa monstruosa distribuição de renda.
ALMA: Realmente, CL, mas parece-me que tu estás me cobrando uma tomada de posição política, quando já fiz, há muito tempo, minha opção por uma tomada de posição filosófica. Estou interessada, sobretudo em temas psicológicos e essenciais da condição humana, como bem disse o meu prefaciador, o pintor e poeta Guilherme de Faria. Ele, nesse prefácio, enumera esses temas, segundo a sua visão bastante arguta.
CL: Mas, Alma, conte-nos, então, como você foi descoberta por um pintor famoso, que, recentemente, revelou-se poeta de cordel. Como você conheceu o Guilherme de Faria?
ALMA: Ah! Isso foi um encontro providencial, que contei no meu conto “Anagramas”. Ele é um amigo da grande gravadora Renina Katz que conheci um pouco antes e da qual fiz o primeiro anagrama.
CL: Sim, Alma, aquele espantoso anagrama em que aparece toda uma teogonia órfica. Admirável e instigante, lembro-me dele. Mas, continue.
ALMa: Pois é , Guilherme tendo tomado conhecimento através da Renina, do anagrama dela, feito por mim, e tendo tido um sonho enigmático, a princípio, procurou-me para que eu o ajudasse a desvendar esse sonho. Fiz o seu anagrama, que, afinal, foram cinco anagramas completos, que decifrados, explicaram o significado do seu sonho de maneira surpreendente até para mim. A partir disso tornamo-nos amigos.
CL: Perdoe-me a indiscrição, Alma, mas apenas amigos? O seu conto sugere muito mais, não é verdade? Não terá sido o começo de uma paixão?
ALMA: Realmente, não posso negar, mas prefiro não falar disso.
CL: Mas, Alma, eu insisto: você está apaixonada?
ALMA: Pode-se dizer que sim. Estou feliz. Ele é um homem maravilhoso, e um artista famoso, que tem apenas uma parcela de sua imensa obra conhecida do público. Além disso ele é um fantástico poeta de cordel, que escreve estórias profundas sobre o pano de fundo da caatinga nordestina, com espantosa autenticidade, visto não ser nordestino e nem sequer ter ascendentes nordestinos. Ele é paulista de 400 anos. O que mais uma vez comprova aquela tese da intuição do artista.
CL: Sim, estou disposto a concordar com você, Alma. E também a marcar uma entrevista com o Guilherme. Mas previno-a que farei perguntas indiscretas a ele, sobre você. Aceita?
ALMA ( rindo, e que bela risada ): Sim, CL, aceito. Sei que ele só dirá coisas bonitas a meu respeito.
CL: Quando você deu essa risada, agora, lembrei-me da gargalhada da Greta Garbo na Dama das Camélias, acompanhada de um glissando do piano que alguém tocava nessa cena (quando ela disse: “Pode ser o grande amor da minha vida! ) Você certamente viu esse filme...
ALMA: Sim, e lisonjeia-me a tua comparação. Nunca tinha pensado em ter qualquer semelhança com ela.
CL: Sim, Alma, há, e impressionante. Não que vocês se pareçam fisicamente. Ma, o timbre de suas feminilidades, e a presença. Bem, não quero encabulá-la.
ALMA: Obrigada, CL. Tu és gentil. Mas, longe de mim...
CL: Vamos então, mudar de assunto. Você reparou que nenhuma vez você cita a televisão ou sequer um aparelho desses nos seus contos? Não é insólita essa omissão, numa época como a nossa?
ALMA: Não, não mesmo. Como disse, estou interessada no essencial. Mas, infelizmente, não é verdade que eu não cite a televisão nenhuma vez. Citei-a, uma única vez, até agora, no conto “O Violino de Mozart” onde a personagem (eu mesma) vê o seu amado Gino numa entrevista na televisão. Mas eu poderia passar sem essa. Seria até mais interessante a omissão total desse veículo, como para tornar os meus contos mais atemporais. Além disso, a televisão já é suficientemente falada e discutida.
CL: Mas, Alma, sejamos sinceros, se a Globo, por exemplo, quisesse um texto seu para um caso especial, ou para o Brava Gente, você não aceitaria?
ALMA: Aceitaria, claro. Nenhum momento fiz qualquer crítica a essa mídia, e eu mesma já derramei muitas lágrimas com algumas novelas ou mini-séries. A sua versão do Grande Sertão: Veredas em mini-série foi admirável. Bem com O Primo Basílio e Os Maias. Gostei muito, também, das versões para a televisão das peças do grande Ariano Suassuna: O Auto da Compadecida e A Mulher Vestida de Sol. Foram primorosas e endossadas pelo próprio autor, segundo se soube.
CL: Então, Alma, mudemos mais uma vez de assunto. Já que você tem opiniões bem definidas sobre tudo, ou quase tudo. Estou enganado?
ALMA (rindo): Não estás enganado. Quando se tem uma visão do mundo, os detalhes técnicos, podem às vezes não importar. Se tu me perguntares sobre petróleo, vou logo dizendo que emporcalhou o mundo, e não adiantará tu me falares nos grandes interesses das grandes companhias e a relação desses interesses com a economia mundial. Trata-se a meu ver, de um combustível obsoleto e poluidor, que poderia há muito tempo ter sido substituído pelo hidrogênio, retirado da água do mar, fonte inesgotável, ou ainda pela energia elétrica através de baterias giroscópicas. Bastava para isso, vontade política, ou mesmo uma superação da chamada estupidez humana.
CL: Alma, você agora me surpreendeu. Então você tem opiniões técnicas e políticas, ou pelo menos ecológicas. Vejo que por aí há um veio a ser explorado.
ALMA: Não, prefiro que não, se tu não te importares. Sinto-me quase infantil quando falo dessas coisas. Sou apenas teórica e um tanto idealista nesse campo, e não gosto me sentir assim, já que não atuo de maneira prática nessa área. Sou apenas uma artista: pintora e poetisa.
CL: Sim, Alma, você é uma das últimas a aceitar esse epíteto: “poetisa”, que soa como uma coisa antiga, da época das “diseuses” e de Florbela Spanca, ou mais tardar de Cecília Meirelles, com quem, aliás, a sua poesia tem um visível parentesco. Você as aprecia?
ALMA: Sim, muito. Florbela Spanca especialmente, pela intensidade de sua paixão. Mas ela tem um tom mórbido e ressentido contra a vida, com o qual não me identifico. Ela me soa como uma mulher apaixonada e delirante, mas infeliz. Enquanto que eu sou apaixonada e feliz, apesar de algumas quedas, acidentes de percurso. Mas até hoje sempre subi, sempre saí do buraco, para alcançar novamente a alegria, sem a qual não poderia viver.
CL: Sabe, Alma, esse é o aspecto que mais me impressionou no seus contos e nos seus poemas. Essa aposta na alegria. Confesso que antes de conhecer a sua obra, eu não acreditava que a alegria desse muito assunto. Acreditava naquele axioma: “os povos felizes não têm história”. Mas você me fez ver uma certa profundidade e riqueza na alegria e na felicidade, e entender aquele verso de Nietzsche que você cita; “ a alegria é mais profunda que a dor”. Devo agradecer a você por isso. Mas ainda tenho a curiosidade de saber , como uma moça tão sensível como você, a julgar pelos seus textos, e mesmo pela sua pintura, pode ser feliz num mundo como o nosso. Percebe-se nos seus contos que você derrama lágrimas a torto e à direito, que você é muito chorona. Estou certo?
ALMA(sorrindo): Sim, é verdade. Derramo lágrimas com facilidade, mas se você reparar bem, quase sempre por comoção com a beleza, com o amor , com a arte. Lágrimas de felicidade, na maioria das vezes. Um sentimento do mundo que inclui, em mim, uma aposta na beleza e na grandeza do Homem. Não sou uma pessimista, e me comovo positivamente com o ser humano. E convivo intensamente com os deuses.
CL: Sim, Alma, é espantoso, nos seus textos como você parece conviver com eles, dentro de você, embora de maneira psicanalítica, como é possível na nossa época. Mas percebe-se que você se relaciona de maneira perturbadora, para você mesma, com suas supostas encarnações passadas, às quais você parece temer ou reagir, o que aumenta o mistério e o suspense de alguns contos como aquela maravilhosa “ Trilogia de Adèle”. Será isso uma técnica literária para fisgar o leitor? eu me pergunto.
ALMA: Se isso é uma pergunta, só posso lhe dizer, que sou absolutamente sincera, na minha arte. E sobretudo expontânea. Meu texto é fluente, nada premeditado, e penso que por isso posso incorrer freqüentemente numa certa ingenuidade. Não descarto essa possibilidade, disso que o meu prefaciador , o Guilherme chamou de “candura”. Mas, que eu saiba, ela é uma virtude, como ele muito bem colocou. Não devo me envergonhar dela, mesmo sendo uma escritora, não é mesmo?
CL: Bem, queria agora mudar o rumo da nossa conversa para abordar um aspecto que me intriga em sua literatura: o caráter sensual e mesmo erótico, freqüentemente explícito de alguns contos e poemas seus. Quero comentá-los porque eles me agradam. Vejo em você, sob este aspecto, uma alma pagã, bastante livre no domínio sexual, embora assombrada por outros espectros, como a sombra do mal, difusa, e a presença de encarnações passadas, nem sempre bem recebidas, e sim temidas.
ALMA: Surpreende-me essa tua captação tão arguta de um aspecto tão íntimo da minha natureza literária (e pessoal também, claro). E já que tu queres falar disso, posso apenas dizer que essa liberdade, mais do que assumida, é inerente à minha natureza, de maneira instintiva, desde a minha infância, para escândalo da minha mãe, que quis de todo modo reprimi-la, sem conseguir, claro. Eu falo sobre isso no meu conto “As Férias da Infância da Alma”, dos Novos Contos. Devo dizer que gosto muito do erotismo e considero que ainda não me dediquei a ele, verdadeiramente, na literatura. É possível que eu ainda escreva um livro de contos realmente erótico.
CL: Como Anaïs Nin, por exemplo? Você leu o seu “Delta de Vênus”?
ALMA: Sim, mas achei insatisfatório. O meu livro será mais explícito e escabroso, espero.
CL: Puxa, estou curioso e ansioso para lê-lo (risos). Mas diga-me, Alma, você leu o Marquês de Sade? Você o cita, num certo conto, mas de maneira sumária e genérica.
ALMA: Sim, eu li o Marquês. Mas o seu “120 Dias de Sodoma” eu joguei fora. Aquilo era sórdido demais e me chocou. Quanto aos outros livros como Justine, Filosofia da Alcova, O Marido Complacente, etc, apreciei certos aspectos. Mas realmente, não é o meu favorito. Prefiro, por exemplo Choderlos de Laclos, do “Ligações Perigosas”.
CL: E Henry Miller, você o leu?
ALMA: Sim, e gosto muito dele, mas não justamente das suas descrições eróticas que são muito grosseiras com a figura da mulher. Compreendo a revolta de June, contada por Anaïs Nin no seu maravilhoso Diário. June, aquela linda mulher queria, e merecia ser verdadeiramente tratada como musa, e Henry se recusava a isso. E ele suspeitava que ela se prostituíra para arranjar-lhe o dinheiro da viagem para a França. Ora, isso não importava, ou fazia dela, no mínimo uma espécie de “prostituta santa”, que ele não soube apreciar. Era um terrível machista, no fundo. Já Anaïs, sim, soube apreciar o mistério da beleza tão grande daquela mulher, a ponto de apaixonar-se por ela, de maneira mais profunda e sensível do que ele. Mas parece que ela acabou também rejeitada pela June, depois de um breve caso entre as duas, interrompendo uma maravilhosa cena de cama.
CL: Alma, a propósito, você escreveu um livro de poemas sáficos, como você diz, o “Narcísicas”, de surpreendente lirismo para os nossos tempos. Soa na verdade, como uma poetisa grega antiga, dos tempos da musa de Mitilene. E depois, o seu livro de Sonetos repete a descrição dessa paixão, mas de outra forma, aliás muito interessante, pela progressão da estória através da seqüência
dos sonetos. Eu pergunto: essa estória é real? Aconteceu com você? Aline existe?
ALMA: Não gostaria de falar sobre isso, mais do que já falei na própria poesia, nas Narcísicas, e nos Sonetos. Foi um caso muito doloroso, mas que eu contarei também num conto, que aliás, já estou escrevendo.
CL: Mas, Alma, seus leitores vão querer saber um pouco mais, desde já, sobre essa misteriosa Aline. Você não poderia comentar alguma coisa sobre ela?
ALMA: Já que tu insistes, direi apenas que esse caso quase me derrubou. Entreguei-me demais a esse amor, como os leitores poderão perceber nos meus poemas, e isso quase me foi fatal. Ela retirou-se, subitamente, da minha vida, o que me tirou o chão e o alento. Desci muito fundo, no inferno da alma, e tive que fazer um esforço muito grande para subir. Mas não renego nada. Saí afinal mais fortalecida , ou pelo menos calejada.
CL: Alma, essa sua experiência rendeu belíssimos versos de amor, de um lirismo incomum na poesia contemporânea, a meu ver. Confesso que disputei esta entrevista, justamente pela admiração que esses versos me causaram.
ALMA: Fico gratificada e comovida com isso. Mas se penso novamente nesse caso e nesses versos ponho-me a chorar. Vamos mudar de assunto, sim?
CL: Está bem, que pena... Eu poderia perguntar-lhe ainda tanta coisa, mas nosso espaço está chegando ao fim. Fale-me daquele insólito livro de poemas
“Amar Humores”. Como você o concebeu?
ALMA: Bem, o que tu queres realmente saber? A minha motivação? O humor misturado ao erotismo, de uma ótica feminina, claro. E satirizando, às vezes, a ótica masculina. É um alvo talvez um pouco difícil, e posso não ter conseguido. Mas é um texto espontâneo como todos os meus textos. Confio muito no que jorra da minha intuição. E aquilo sou eu, como, aliás, todos os meus poemas, contos e pinturas. Só posso falar de mim mesma, mas fazendo-o assim, de peito aberto, tenho a esperança de ser compreendida por outras mulheres e mesmo pelos homens. Só se pode ser universal, a partir da nossa aldeia, do nosso bairro, do nosso quarteirão, quer dizer, da nossa pele. Não é, mais ou menos, o que dizia Nelson Rodrigues? De qualquer maneira quero falar de mim, de minhas experiências amorosas e até mesmo eróticas, pois o ato de escrever já me basta. Eu sei que é narcisismo, e daí? Isso me dá imensa satisfação e isso por si, já me justificaria perante mim mesma. Mas, se há um editor e leitores, então, meu exibicionismo fica ainda mais legitimado, não achas?
CL: Eis aí uma declaração franca e perturbadora. Mas, na verdade, posso dizer, sem ser um crítico literário, que a qualidade dos seus textos o justificam plenamente, para além da necessidade confessional que você mesma declara haver neles. Certamente haverá muitos leitores e fãs. Eu mesmo já sou um deles. Nossa entrevista chegou ao fim. Posso dar-lhe um beijo?
ALMA: Sim, tu és doce, afinal...

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Alma e Jonas


Alma e Jonas -óleo s/ tela de 120x160cm, de Guilherme de Faria, que ilustra o conto "Meu pequeno vizinho", dos Contos da Alma, de Alma Welt. Coleção Flavio Guimarães, São Paulo

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Meu pequeno vizinho (crônica de Alma Welt)

Estou trabalhando há horas numa grande tela. Tenho a cara e as mãos sujas. Luto com as tintas, tentando domá-las, às vezes dando-lhes rédeas, deixando-as reinar em manchas quase aleatórias. Do balanço entre o casual e o deliberado, nasce uma pintura mágica, que deve parecer ter nascido sozinha, pronta, e com a sensação ilusória de facilidade quase divina. Esta é a arte que busco, quando noto uns olhos atentos ao meu lado.
Um menino pretinho, de grandes olhos, que, sem sorrir, observa-me e ao quadro. Espantei-me com a sua presença, antes de perceber que eu esquecera a porta aberta quando levara o lixo para o corredor logo de manhã cedinho.
Meu primeiro movimento foi fechar a porta; depois, agachando-me para pôr os meus olhos nos seus, disse-lhe:
-E então? Você gosta de pintura?
-Eu gosto é de limpeza...- respondeu ele, com um lento e cantado sotaque mineiro.
Caí numa gargalhada. Entendi logo que se tratava do filho da faxineira do vizinho. Desconcertada mas enternecida (talvez eu esperasse o veredicto favorável de uma criança pura e inocente para ter a certeza da aprovação divina do meu trabalho). Peguei-o pela mão e levei-o à cozinha, para preparar-lhe um café da manhã.
Daí por diante ele apareceria quase todos os dias, certamente para o café com leite e as bolachas que o deliciavam. Mas depois permanecia vendo-me pintar. Eu já não lhe perguntava o que ele achava. Pensava ser mais prudente deixá-lo manifestar-se espontaneamente. Comecei a lhe dar uma paleta com as cores que uso, para que ele pintasse uma telinha sobre a mesa. O resultado foi surpreendente. Toda criança é artista. Justamente porque transfigura a realidade em signos simplificados, emblemáticos e poéticos. Tudo se torna arquétipo na visão infantil. É na verdade uma visão sagrada, imemorial, arcaica como a humanidade.
O quadrinho de Jonas (esse era o seu nome) me encantou. Pressenti nele um futuro primitivo rural. Sua mãe vinha do campo, da lavoura, e ele herdara atavicamente essa visão de campos lavrados, bois e montanhas de Minas Gerais. Como podia ele lembrar-se do que não vira com seus próprios olhos? Ele tinha nascido aqui na cidade. E vivia suspenso em apartamentos, correndo por feios corredores de prédios, povoados somente por latas de lixo. Crianças, raramente ele as via, pois passavam às vezes direto para os elevadores, acompanhadas por seus pais. Eu, sua vizinha, solteira, parecia encantá-lo. Olhava-me muito. Creio que via a criança dentro de mim, porque eu pintava. Sim, devia ser isso! Não sou exatamente o tipo físico ou mental que chamavam em outros tempos de femme enfant, mas todo artista é uma criança e passa a vida a recuperar essa criança em sua obra. Eu, por exemplo, hei de pintar um dia como uma menina de seis anos se tudo der certo.
Lembro-me de quando levei meus desenhos e pinturas, no começo de minha carreira, para mostrar ao professor Bardi. Ele disse: “Alma, não se iluda. O maior pintor brasileiro de todos os tempos é José Antonio da Silva. Tudo o mais é pintura européia”.
Agora eu estava disposta a incentivar Jonas a ser um pintor primitivo como eu gostaria de ser, sem poder. O tempo passou, o menino pintava em meu ateliê todos os dias. Era também o meu ajudante e com o tempo ele já me faria falta. Já não podia passar sem ele. Era moldureiro, encaixotador, e até faxineiro. Pegou na vassoura com prazer depois que lhe contei uma anedota de Portinari. O pintor foi encontrado certa manhã, por um visitante, grande colecionador, com a vassoura na mão, varrendo o ateliê. O visitante, surpreso, perguntou-lhe: “Mas, mestre, o senhor, varrendo o chão? E Portinari respondeu-lhe: “Sim, meu caro, a vassoura é um grande pincel”.
Jonas adorou essa história e agora varria o ateliê todas as manhãs. Eu estava encantada. Percebi o valor das metáforas na vida de uma criança. Na vida de todos nós, na verdade.
Jonas se tornou um pintor, voou, sumiu. Partiu com sua mãe para Minas um dia. E eu, olhando algumas magníficas telas que ele me deixou, sabia que ele não mais se perderia e que voltara às montanhas que eu imaginava, para reencontrar suas raízes.
Um dia, minha vizinha, abalada, tocou a campainha para me trazer uma coisa. Sua ex-faxineira escrevera-lhe e ela me passou a carta que transcrevo aqui, corrigindo-lhe o português:

"Senhora, não lhe escrevi antes pois a vida tem sido muito difícil, desde que voltei para cá. Agora é impossível. Meu Jonas me foi levado no ventre da baleia. Dois tiros lhe tiraram a vida. O quadrinho que tinha na mão tinha um furo no meio, sobre o seu peito ensangüentado. Envio-lhe o quadro, sua última pintura, para que o entregue à pintora que foi sua mestra. Ele a amava muito, como se pode ver no quadro. Diga-lhe que sou grata como mãe, pois meu filho foi feliz enquanto viveu a sua curta vida e eu sei que ele aprendeu essa felicidade com a pintora que ele venerava. Sua religião era a arte, e ela, a sua santinha. Os quadros de meu filho ficaram conhecidos aqui na região. Estava ficando famoso, pelo menos entre nós. Mas, por algum mistério, insistia em me ajudar na limpeza todas as manhãs, manejando a vassoura com prazer, assobiando uma música estranha, mas bonita, uma tal de cantilena, de um homem que vira lobo, que a pintora lhe ensinou. Agora não posso mais. Não sei como viver sem meu Jonas, mas sinto também demais dar essa notícia a ela. Não tenho coragem. Faça isso por mim, entregue-lhe o quadrinho, que não posso mais olhar para ele com aquele furo no meio".

Agradecida,
para nunca mais,
sua, Dasdô.

Meu coração partiu-se, minhas lágrimas corriam olhando aquele quadrinho, onde se via uma moça loira com uma vassoura enorme na mão, em frente a uma tela no cavalete, entre montanhas azuis e verdes.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Alma e o quadrinho de Jonas (pintura de Guilherme de Faria)


"Alma e o quadrinho de Jonas"- óleo s/ tela de 100x100cm de Guilherme de Faria, que também ilustra o conto "Meu pequeno vizinho", dos "Contos da Alma", de Alma Welt.

sábado, 6 de outubro de 2007

Salomão ou Lear, de saias (de Alma Welt)

(dos Contos Pampianos, de Alma Welt)


Estou só, à frente desta estância, comandando o andamento da casa e da vinha. E isto me sobrecarrega, já que não quero abrir mão de minha pintura e poesia. A posição de “diretora”, ou administradora deste pequeno universo, me coloca em situações inusitadas, de um certo poder, até mesmo sobre o destino de um número de criaturas que passaram a depender de mim, como outrora, do Vati. Este “cargo” deveria caber ao Rôdo, por acordo entre nós, após a morte de nosso pai, logo estou um tanto revoltada com meu irmão, que parece fugir de suas atribuições. Preciso explicar que Rôdo está viajando, há mais tempo do que deveria, a meu ver, com seu carrinho esporte, pelo mundo, correndo, jogando...

Os peões e suas famílias parecem me ver como uma espécie de rainha. Os homens tiram o chapéu na minha presença, e as mulheres curvam ligeiramente o joelho quando vêm até mim, na varanda, diante da minha cadeira de balanço. Eu lhes ofereço o meu mais doce sorriso, mas eles parecem receber isso como a benevolência da rainha e saem cheios de gratidão, mesmo quando me mostro impotente quanto a alguns problemas seus, de ordem pessoal, somente porquê interpreto a situação para eles, com palavras simples, e que ajudando-os a enxergar mais claramente, eles a resolvem por si mesmos. Estou dando-me conta da grande responsabilidade desta posição em que o destino me colocou, e tento fazer jus a ela. A verdade, é que, às vezes, esperam de mim um poder absurdo, e isto me deixa um tanto perturbada, principalmente com a tentação, em mim, de exercê-lo mesmo, em sua totalidade, mudando destinos, fazendo escolhas por eles. Mas debato-me, interiormente, quanto a isso, e tento refrear-me. Ah! A tentação do poder! Será legítimo o poder, dado a um ser humano, por circunstância, por nascimento... será destino, o poder? Eis, a meu ver, um dos mistérios humanos.

Galdério, nosso caseiro, está à vontade, como uma espécie de primeiro ministro, intermediando ordens minhas, ou pondo-as para serem executadas, e espera de mim uma autoridade sem contestações. Parece partir do princípio de que sou realmente infalível, ou que mesmo que erre, meus juízos e decisões trazem a marca da legitimidade, de uma herança... divina. Lembrei-me recentemente, de que há poucos anos, em São Paulo, numa interessante conversa com o grande poeta urbano Roberto Piva, este contou-me o seguinte episódio, sugestivo, de sua experiência:

—Alma,-disse ele- no final dos anos cinqüenta, na casa do Vicente e da Dora Ferreira da Silva, este, de repente, perguntou-me: “Piva, você sabe por quê o comunismo não vai durar cem anos?” “Não, Vicente,” - eu respondi, surpreso- “ por quê não vai durar cem anos?” E Vicente respondeu: “Porque o comunismo não está no inconsciente coletivo.” Afinal- continuou Piva,- ele foi profético, pois a União Soviética durou apenas 75 anos. O comunismo nunca consolidou-se na mente da grande massa, pois, em termos políticos, ou melhor, de poder, o que o homem do povo tem no seu “inconsciente coletivo” é a figura do rei, da rainha, do príncipe, da princesa... e do cavaleiro andante.

Este diálogo real, contado pelo poeta paulistano, meu amigo, me fez meditar, quanto a outras decorrências do poder, por exemplo, a estória exemplar do rei Lear, da peça de Shakeaspeare, em que este monarca, já muito velho, abdica do seu poder em favor das filhas, dando ensejo imediatamente a uma “guerra civil” em seu reino, luta fratricida, entre as irmãs com seus exércitos, disputando esse poder, enquanto o velho rei decaído e louco, ia de roldão no meio do fogo cruzado, por assim dizer (acompanhado apenas do fiel mas queixoso bobo da corte, uma espécie de corifeu desta tragédia).É interessante notar que a única filha leal ao pai, e portanto ao rei, Cordélia ( o coração) representa a anima deste homem velho, que perdeu a sabedoria, pois o poder se herda, se ganha ou se perde pela força, mas ai daquele que abre a mão espontaneamente do poder, mesmo que por velhice, pois cria o caos em torno de si, já que contrariou uma lei natural do universo, por vezes perturbadora, nada racional.(Lembrei-me do título do grande filme de Kurosawa, baseado nesta tragédia, “Ran”, que em japonês, sugestivamente significa “Caos”). Isso me faz pensar também, na situação de Fidel Castro, que contestado no seu poder por grande parte do mundo, dadas as dificuldades inimagináveis da economia do seu país devido ao bloqueio, e também, claro, pela opressão a determinados setores, nem assim abre mão do seu poder, em função de uma democracia, pois deve ter lido Shakespeare e sabe, que ao fazê-lo, precipitará uma sangrenta guerra civil, que, na verdade, a meu ver, virá de todo modo com sua morte, natural ou não.

Mas estou divagando, voltemos ao meu pequeno reino.

Hoje de manhã recebi uma moça camponesa, uma das minhas colhedoras de uvas, guria encantadora em sua beleza rústica, de grandes olhos sombreados pelo chapéu e o lenço que o cobre para amarrá-lo num laço sob o queixo. Uma espécie de corpete realça-lhe os seios, e lhe empresta um ar antigo, que remete-me mais depressa à minha condição de princesa, ou de rainha mesmo. Imbuída do meu papel, ou reconciliada com ele, graças as divagações que expus acima, eu ouço a queixa da camponesa:

— Dona Alma, quero me casar com o Léo, o guri encarregado dos batoques dos barris, e meus pais me proíbem, pois seu trabalho é desprezado e sofre chacota entre os peões. Dizem que ele só sabe tapar buracos ( ela pôs a mão na boca, acompanhada por mim mas com um sorriso, nesta reação). Mas o Léo, está tão desesperado, que me propôs... ai!, não tenho coragem de dizer ( ela cobriu pudicamente as faces com as mãos).

Tive vontade de rir, e creio que soltei uma pequena gargalhada que logo controlei, instigando-a:

—Quitéria, guria, o que o Léo pode ter te proposto? Abrir um buraco, em vez de fechá-lo?(Ela corou, com a mão na boca, mas eu logo me arrependi da brincadeira, pois a situação delineava contornos mais sérios). Querida, tu deves tomar cuidado, pois quando um homem propõe isto a uma moça simples, está sempre fazendo um teste, mesmo que ainda não saiba disto.

Quitéria ficou um pouco confusa, mas creio que captou o que eu quis lhe transmitir. No código de valores dessas criaturas, que temos que levar em conta, a virgindade é coisa seríssima, e depois do leite derramado, só resta esperar a benevolência ou o bom caráter do rapaz, que se mostre disposto a reparar o erro casando, ou então sofrer castigos e freqüentemente o desprezo da própria família, coisa que virtualmente as destroem. Mais antigamente houve casos em que o próprio pai pôs a filha na zona, como castigo e repúdio perpétuo, crueldade inimaginável nos dias de hoje, mas que teoricamente não foi apagada do código internalizado de certos pais-peões, de irmãos, e até mesmo (pasmem) de certas matriarcas camponesas. Na minha infância ouvi contar, principalmente na cozinha da estância, pela boca de Matilde, tragédias como essas. Desconfio que minha babá, depois cozinheira, falava disso para me alertar, de medo que eu própria malbaratasse minha virgindade, e nunca mais pudesse casar. Pobre Matilde, se ela soubesse o que realmente penso de tudo isso... Não, ela não poderia compreender.

—Querida,-eu completei-resista, resista. E espera, que quando teus pais perceberem a força do amor de vocês, se ele existir, o casamento virá, naturalmente, por si só... (eu jamais seria capaz de seguir, eu mesma, tal conselho, pois sou impaciente e precipitaria as coisas com alguma loucura.)

—Mas dona Alma, o caso é que meu pai vai me casar dentro de uns dias com o senhor Paco, só porque ele tem um pedacinho de terra que a senhora lhe deu, e chega de lá montado num cavalo dele mesmo. Eu não quero, dona Alma, eu não amo aquele homem! Eu tenho horror daquele homem!( Ela caiu num súbito pranto).

Fiquei consternada por constatar, que até os dias de hoje ainda ocorriam entre os camponeses da nossa estância, casamentos impostos, arranjados, sem levar em conta os sentimentos das moças. O século dezenove adentrara o século vinte inteiro e chegara ao terceiro milênio. Era inacreditável! Aquela mocinha estava votada ao estupro, e nada poderia poupá-la desse destino anunciado, essa é que era a verdade! Senti um súbito aperto no peito, por empatia, por identificação anímica de mulher, e só pude chorar por ela, abraçando-a, fraternalmente. O que poderia eu dizer a ela, diante daquelas circunstâncias? Poderia eu instigá-la a fugir com o guri, o pequeno peão tão desprezado pelo seu humilde ofício? Não! Mas se eu tinha algum poder, que me delegavam, eu o usaria com alguma sabedoria, se eu invocasse a Deus esse dom.

Ao pensar assim, a solução me foi imediatamente apontada, como um juízo salomônico. Eu disse:

—Quitéria, vou tentar algo, mas tu deves guardar segredo dessa nossa conversa. Dê um jeito de avisar o Léo, para que me procure, imediatamente.

A guria, um tanto surpresa, saiu correndo, semeada de esperança, depois de beijar-me as mãos, comovedoramente. Eu meditava no que deveria dizer ao pequeno batoqueiro. Passados dez minutos chegou ele, bastante tenso e desconfiado. Saudou-me um tanto constrangido, de olhos baixos, como se esperasse ser repreendido. Eu lhe disse:

–Olá, Léo. Hoje pode ser o teu dia de sorte. Mas antes deves me responder algo com toda a sinceridade. Amas alguém, uma moça aqui da estância, sim ou não?

O jovem, nada feio, um tanto matuto, mas bem apanhado para um peão ignorante, hesitou um pouco, e respondeu:

—Sim, dona Alma, mas não sei o que... (calou-se, de olhos baixos).

—Bem Léo, é a Quitéria o teu amor? É verdade que a amas?

—Sss...sim, dona Alma, mas não atino como sabes...

—Então, Léo, prepara-te porque vais casar-te com ela, que é minha protegida. E por isso vão ganhar como presente meu, de casamento, um pedaço de terra, bem fértil, e com uma querência nele, um pampeiro, e duas vacas, umas galinhas também. É o meu presente de casamento. Vou passar a escritura em nome dos dois, desde já, confiando na realização desse casamento e de que ele será muito feliz. Mas tens que me prometer, que a tratarás como uma princesa, que é isso o que as mulheres são, sabias?

Léo ficou um instante boquiaberto, depois ajoelhou-se subitamente e agarrando-me a fimbria do vestido, sem levantá-la, curvado, beijou-a quase deitado aos meus pés. Eu tive que tocar-lhe os ombros para instá-lo a parar com aquilo. Ele estava deslumbrado, e chorava, de emoção, de gratidão, me pareceu. Diante de sua reação, fiquei convencida do acerto da minha decisão.

Dentro de um mês, na véspera do casório de Léo e Quitéria, chegou Rôdo de mais um giro pela Europa, e vendo os preparativos para a festança, com fandango e churrascada à vista, questionou-me, diante do meu empenho na organização daquele evento.

—Sou a madrinha do casal, Rôdo, pois dei um empurrãozinho para o casamento acontecer. Dei-lhes um palminho de terra e umas coisinhas mais, para o Léo, que era o escolhido de Quitéria, ficar em pé de igualdade com um rival. Como contava com o amor da moça, a balança pesou a seu favor diante dos olhos dos pais dela. Foi só isso, Rôdo, o que fiz... uma pequena ajuda ao amor.

Rôdo abanou a cabeça, e ralhou comigo, sorrindo:

—Alma , Alma, és incorrigível! Nesse passo vais dilapidar todo o nosso patrimônio, distribuir aos poucos todas as nossas terras e até a vinha. Não vês que logo todos os peões vão querer se casar, escolhendo-te para madrinha? Não conheces o povo! Além disso, quem te dá o direito de interferires no destino alheio? E se o casal for infeliz, amarrado a um pedaço de terra? Mais cedo ou mais tarde te culparão.

Fiquei por um momento confusa com as palavras de Rôdo, mas logo reafirmei minha decisão, defendendo-a:

—Rôdo, meu irmão, tuas palavras são de falsa sabedoria, pois são só razão, lhes falta coração. Deve-se confiar mais nos impulsos do coração. Tens o pessimismo de um cético, e crês pouco no ser humano. Deve ser por isso que és um jogador, um blefador. Não vês que um único ser humano salvo, ou aliviado de sua dor, justifica uma vida inteira de erros? Meu coração está pleno, julguei com sabedoria neste caso, quase como Salomão ao ameaçar repartir entre desiguais e deixar o amor fazer pender a balança na direção certa. Não como Lear, se é o que tu pensas, que abriu mão do seu poder, doando tudo de uma vez. Não, meu irmãozinho querido, não queiras me confundir. Estou feliz, como eles, e isso é suficiente prova do meu acerto.

Rôdo sorriu ternamente, afinal, e me abraçou profundamente, enquanto eu, apertada em seus braços, com a cabeça em seu ombro, pensava no quanto eu amava aquele guri, tão diferente de mim...

Anagramas (de Alma Welt )

(Conto esotérico-criptológico)

08/05/2006

Para Renina, e também para Rhena e Nina


De repente, há poucos dias, tive o súbito impulso de fazer anagramas.
Tudo começou após a visita ao meu atelier, de uma nova amiga, a grande artista plástica Renina Katz, gravadora emérita: xilógrafa, litógrafa e água- fortista soberba. Grande dama da gravura brasileira, Renina é uma mulher madura e bela. Soube que despertou inúmeras paixões em sua juventude. O pobre do Pancetti, grande pintor e um homem simples, tinha-lhe adoração, não correspondida, claro. Soube que quase duelou por ela, acreditando-a ofendida por alguém. Renina apenas admirava-lhe a obra, havendo um abismo social e cultural entre eles. Naturalmente Renina não me falou nada sobre isso. Descobri essas curiosidades de sua biografia, num antigo número de uma revista extinta, numa excelente matéria sobre o marinheiro pintor. Refinada e culta, muito viajada, Renina honrou-me com a sua visita e fiquei horas a ouvi-la, prazerosamente.
A uma certa altura de nossa conversa, citou o anagrama famoso de Salvador Dali: Avida Dollars, descoberto por André Breton. A propósito, Renina comentou: –“ O anagrama do meu nome parece difícil de encontrar. Alguém, uma vez, descobriu o seguinte: ZENIT KRANA. Mas não sei o que significa...”
Após a sua saída, e com aquele anagrama ressoando em meus ouvidos, resolvi tentar. Sentei-me com caneta e papel e surgiu imediatamente:
ANKRANZEIT
A seguir:
ANANKE RITZ
Fiquei tremendamente intrigada. Mas, com a presença da palavra Katz ( gato), o anagrama só poderia mesmo ser em alemão, já que o K , nem existe em nossa língua. E o segundo anagrama, com a presença de uma palavra grega?.
Resolvi fazer uma pesquisa para encontrar o nexo destas palavras enigmáticas em alemão e grego. Descobri o seguinte:

AN= perto de, junto ou quase.
KRANZ= coroa
ZEIT= tempo

ANKRANZEIT = PERTO DA COROA DO TEMPO

Consultando diversos tratados de filosofia pré-socrática, cruzando suas rarefeitas informações sobre a filosofia grega dos tempos arcaicos, e ainda rejeitando a Teogonia poética de Hesíodo, que coloca o Caos e Noite como princípios, encontro, afinal, em teogonistas ainda mais antigos, como Jerônimo e Helânico, a seguinte teogonia órfica (aqui resumida):

ANANKE = Princípio teogônico feminino da Necessidade( na Doutrina Órfico–Pitagórica) . Tinha inúmeras naturezas, como Fado (Destino), Moira( Morte), Dyke (Justiça), Nyke (Vitória).
TEOGONIA (Geração dos Deuses) :
No Início era Kronos (Zeit), o Tempo. A seguir, Kronos se acasala com Ananke (a Necessidade) para produzir uma “tríplice prole” ( para isso ele rejeita Adrastéia, princípio da Necessidade incorpóreo, disseminado no espaço ...(Conceito esse extremamente obscuro ).
Do casamento de Kronos e Ananque ( o Tempo com a Necessidade) é gerado : o ÉTER úmido, o Kaos infinito, e o Érebo nebuloso ( região subterrânea , que mais tarde gerará o Hades.)
Mas o que significava tudo isso em relação à Renina? E o que significava ANANKE RITZ, esse segundo anagrama completo que surgira?
RITZ ( alemão)= fenda, racha, arranhão, ferida .
ANANKE RITZ= a fenda de Ananke
Continuei minhas pesquisas, e sabendo que Platão ( séculos V e IV aC ) era um órfico tardio ( Orfismo= religião de Mistérios, a mais antiga doutrina reencarnacionista do Ocidente, com origem anterior ao século VII aC, relacionada aos Mistérios de Elêusis), procurei rever os Mitos narrados em seus Diálogos. Passei ao largo do famoso Mito da Caverna, tão caro aos psicanalistas, e acabei me concentrando no Mito de Er ( o Armênio), que fala do “Fuso de Ananke”, nas dez últimas páginas da REPÚBLICA . Estudando esse mito, tudo começava a se esclarecer: FENDA, era o próprio sentido etimológico da palavra Ananke, que deriva de uma raíz presente no egípcio antigo. Em termos visuais era, também a reversão gestáltica do FUSO ( a coluna de luz que une o Céu à Terra , dento da qual girava o fuso em forma de oito “pesos” ou cones de metal, invertidos, girando em torno de um eixo, formando órbitas circulares. Os bordos circulares dos cones, formavam círculos concêntricos, que rodavam com um jogo complexo de cores e números pelo movimento impresso a eles pela mão das três Parcas: Láquesis, Cloto e Atropos, respectivamente, o Passado, o Presente e o Futuro. Esse movimento de números e cores, colocado em tabelas pelos matemáticos do século XX , produz maravilhas matemáticas em torno do número 9,( numero perfeito para eles). Além disso, essas órbitas , descreviam as dos planetas do nosso sistema solar, isto é, somente as dos conhecidos no tempo de Platão.
Resumindo, eu estava diante da Teogonia Órfica a mais secreta, somente acessível aos iniciados ( tenho medo de estar revelando-a aqui ). Tudo se esclarecia para mim . A estrutura arquetípica das gravuras da Renina ficava clara :


ÉTER —zona superior da gravura
KAOS —zona intermediária
ÉREBO—base, zona mais densa da gravura
Suas gravuras tinham a estrutura espacial de aparentes paisagens abstratas, que eram assim divididas e o círculo que, muitas vezes ela inseria na região intermediária entre o Éter e o Kaos, era a representação gráfica do Ovo Primogênito do qual nascia ZEUS, o Princípio Ordenador do Universo, que daria início aos Protágonos, isto é, os outros primeiros deuses. Por isso , Renina, quando lhe perguntavam sobre esse círculo, se era a Lua , o Sol, ou a Terra vista de um outro planeta, árido, respondia : “ Não, isso está aí por uma “necessidade” plástica de “ordenar” o espaço”. Estava aí o segredo.
A estrutura arquetípica de suas obras, continha ainda outros mistérios: na Doutrina Órfica, as Almas estavam encerradas nos corpos dos TiTÃS raça de gigantes, da qual Prometheu seria o mais famoso representante), quando estes se insurgiram contra ZEUS . Durante a formidável batalha ( TEOMAQUIA, ou Titanomaquia ) entre eles e os deuses, os Titãs estraçalharam e devoraram Dionisos criança. Os Titãs foram vencidos e Zeus fulminou-os com seus raios, e atirou-os à Terra. Das cinzas dos Titãs, Zeus criou o Homem , cuja alma é Dionisos encerrado no corpo titânico pecaminoso que busca recuperar as asas para retornar ao EMPÍREO, a morada dos Deuses e das Almas purificadas , após “dez ciclos de mil anos de reencarnações”.
Prosseguindo nas minhas pesquisas esotéricas, encontro uma raríssima referência àquela COROA:
Nos sepulcros órficos de Thuri, na Magna Grécia, foram encontradas, junto dos corpos de fiéis, “lamínulas” de ouro onde estavam inscritas orações das almas dirigindo-se à PERSÉFONE, ( rainha do HADES e intercessora das almas ). Havia uma que dizia :
“... e voando cheguei perto da ambicionada coroa.” E a Deusa responde:
“ abençoada cara Alma , serás transformada em Nume.”
Descobri então que coroa era como os órficos chamavam o circulo que cingia o ponto mais alto do Empíreo, que as almas que recuperavam as asas , tentavam atingir , afim de descortinar “um maravilhoso vale , nunca descrito por nenhum poeta.” O círculo, nas gravuras, comportava, portanto, esta segunda interpretação.
Estava claro, agora, para mim o significado das obras da Renina. Pequenos grafismos, parecendo asas , que se aproximavam do círculo que ela inscrevia na região intermediária de suas obras, nessa fase, como aves noturnas aproximando-se do círculo da Lua, eram , na verdade isso: as almas aladas tentando chegar perto( AN ) da ambicionada coroa ( KRANZ) de KRONOS ( ZEIT ).
Agora ficava fácil, também , descobrir o significado do anagrama anterior que lhe fizeram : ZENIT KRANA
ZÊNIT: palavra persa que significa um determinado lugar no espaço, culminante. KRANA, (o mesmo que Akarana) : conceito do Tempo Infinito no ZEND AVESTA ( religião filosófica da antiga Pérsia), equivalente ao KRONOS grego. Quando perguntavam à Renina o quê ela desenhava, ela dizia, instintivamente: “ESPAÇO e TEMPO.” ( Zenit Krana)
Remeti o novo duplo anagrama , e o resultado da análise dos três, à Renina, que ficou encantada, transcrevendo-os num lindo álbum de anotações e esboços.
Na verdade, essa pesquisa deixou-me exausta. Eu penetrara nas imediações dos Mistérios de Elêusis e isso não se faz impunemente. Tinha uma dor persistente na base do crânio, na região do cerebelo, onde se origina o pensamento espiritual. Eu puxara muito por ele. Agora estava exaurida e temerosa, embora intrigada. Porquê o Orfismo, religião secreta da Antigüidade grega, se apresentara a mim através do anagrama da Renina? Bem, sabemos que tais coisas estão no nosso inconsciente coletivo, mas trazê-las à tona pode ser perigoso...
Passei uns dias de molho. Sentia-me exaurida, ao mesmo tempo que enriquecida ( contradição em termos ). Foi quando recebi um telefonema que iniciou todo um processo similar. Tratava-se do pintor Guilherme de Faria , que, amigo da Renina, e ouvindo-a falar do fenômeno do seu duplo anagrama feito por mim, resolveu me contatar. Marcou dia e hora para sua visita e no dia combinado, um pouco mais cedo, tocava o interfone, denunciando sua ansiedade em consultar-me. Cheguei a pensar em dali por diante cobrar consultas anagramáticas, já que isso me custava tanto, mas...
Abri a porta, e o pintor, extremamente conhecido, adentrou o meu atelier. Tratava-se de um homem de meia idade, simpático, de cabelos e barba branca, com uma aparência patriarcal e bonachona, logo desmentida por sua voz que evidenciava , talvez, uma imaturidade emocional que lhe dava um ar de garotão quando falava.
Simpatizei imediatamente com ele. Na verdade, atraiu-me muito, mas tomei um ar distante, inatingível, profissional, de vidente ou coisa parecida. A situação me divertia.
Guilherme botou seus olhos agudos de pintor sobre mim, como se quisesse me devorar. Mas ao mesmo tempo percebia-lhe a doçura. Era uma coisa contraditória... Em poucos minutos sentíamos, como se nos conhecêssemos há gerações... Quando afinal entramos no assunto dos anagramas, já estávamos íntimos o suficiente para ele começar a narrar o sonho que o trouxera aqui para esta consulta. Ele disse:
“Tive um sonho, mais real que a realidade circundante. Isto é, quando acordei, as coisas e as pessoas não me pareciam tão nítidas e reais como o que eu vi no sonho. Entretanto, não houve transição, na passagem do sono para a vigília e a memória não desvaneceu. O sonho continuava nítido, fresco e real na memória e assim está passado já dois meses. Foi o seguinte:

"Ví-me a bordo de uma nau, de velas, típica do século XVII, assim como tudo que me rodeava. Minha roupa era simples, de soldado, um gibão cingido por um grande cinto de couro, calções bufantes e botas de cano dobrado com saltos altos e grandes fivelas, punhos grandes virados, um grande chapéu com uma pluma e uma espada na cintura. Eu conversava com o capitão do navio, figura terrível, calvo, com grandes bigodes de pontas reviradas para cima, grotescamente enfeitado, com tranças que lhe saiam dos lados da calva. Brincos nas orelhas e um olhar sarcástico e mau. A figura típica de um capitão pirata. Nós estávamos no tombadilho, e ele me perguntava o que eu queria como minha parte no botim ( no saque de uma nau, que estava ainda longe no horizonte e que certamente o capitão pretendia atacar.) Eu lhe respondi que queria, das obras de arte que houvesse a bordo, somente os quadros. O capitão, com uma risada mais sarcástica ainda, disse-me que sim , que os quadros seriam meus. Aquilo aguçou ainda mais a minha cobiça e eu não via a hora de botar os olhos e as mãos naqueles quadros. Afinal, o galeão, à medida que se aproximava, mais evidenciava sua origem nobre e a riqueza potencial de sua carga".

"No momento seguinte do sonho, após um corte cinematográfico, me vi no meio de um terrível combate de abordagem , com os marujos piratas
lançando ganchos nas amuradas do outro navio para puxarem-no perfilando-o e saltando para ele pendurados nas cordas que pendiam dos mastros. Tiros, fumaça, odor de pólvora, gritos e sangue. Terríveis golpes mutilantes de sabre, de lado a lado. Quanto a mim, estava apavorado. Eu tinha minha espada na mão e lutava o menos possível, esquivando-me e pondo-me sempre atrás dos companheiros, fazendo o possível para evitar confrontos diretos, disfarçando e poupando-me ao máximo, com grande medo de ser ferido, mas avançando dessa maneira escusa, movido apenas pela cobiça e avidez pelas obras de arte prometidas pelo capitão. Afinal, para meu alívio, houve outro corte cinematográfico no sonho e eu me vi, o combate terminado, o navio abordado, dentro de um camarote luxuosíssimo, que seria o do capitão do navio vencido. Havia corpos mutilados e sangue por toda parte, dentro daquele camarote. Eu estava, afinal, diante dos quadros que forravam as paredes, desde o roda-pé até o teto baixo, passando pelos lados e por cima de uma belíssima cama de dossel. Cercavam-me vários marinheiros e o Capitão que me olhava sempre com aquele sorriso irônico, cofiando os grandes bigodes. Vi-me observando um grande quadro que retratava um nobre, de pé, nitidamente um Velazquez. Havia também pequenos quadros da escola holandesa: Vermeer e Rembrandt, bem reconhecíveis ali. Uma cena religiosa de El Greco. Uma natureza morta de Zurbarán , bem como uma sua Santa Ágata , servindo seus próprios seios, como pêssegos em calda, numa bandeja. Quando os admirava, cheio de cobiça, percebia, com dor, os furos e cortes que havia naquelas telas como resultado dos combates dentro daquele camarote. Mas eu pensei imediatamente nuns potes de pigmentos e pincéis que eu tinha visto, de relance, insolitamente num canto do tombadilho do navio tomado. Pensava num jeito instintivo de salvar aquelas telas puxando o tecido por trás, colando-o sobre pedaços de velame e retocando com aquelas tintas. Eu apontei, escolhendo a primeira obra: Esse aqui!,
Nesse momento ouvi atrás de mim, bem alto uma voz que disse: Não! Esse é meu! Tive um aperto no coração, disfarcei, e sem voltar-me, prossegui: Esse aqui!. Novamente ouvi a voz atrás de mim: Não, esse também é meu! Voltei-me afinal e vi-me diante de um fidalgo ou coisa parecida, ricamente vestido, como um nobre, com um gibão prateado e um colar de ouro e pedras que lhe ornava o peito, e calções bufantes cheios de laçarotes, fitas e fivelas. Botas reviradas maravilhosas mas exageradas, com enormes saltos e fivelas de prata imensas. Punhos de renda, bem como a ampla gola faziam supor gestos amaneirados, entretanto ele se mantinha numa única postura, ameaçadora: as costas do punho esquerdo apoiada na cintura acima do cinto que sustentava a espada. A perna direita avançada, e a mão destra empunhando a espada sem sacá-la ainda. Tive um arrepio de medo, que aumentou quando pude ver que seu rosto era... o meu! Apenas com os cabelos mais longos repartidos no meio, ( parecido ao que eu usava nos anos 70). Os bigodes finos com pontas reviradas para cima, e um olhar ainda mais sarcástico do que o do capitão. Disfarcei e continuei a minha escolha, sempre contestada por ele com o seu: “Não, é meu!” Eu sentia a minha parte no botim esvair-se por entre meus dedos. O pior: os marujos e o capitão estavam às gargalhadas, e insuflavam o conflito iminente. Gritavam: “vamos ver, vamos ver, para quem vão ficar esses quadros!”Alguns rolavam no chão do camarote, com as mãos na barriga de tanto rir. O capitão tinha um esgar malévolo, esfregando os punhos com os seus olhos brilhantes de demônio. Eu via claramente que não poderia me esquivar a esse combate. Eu teria que duelar pelos quadros com aquele homem, que devia ser um corsário, e um terrível espadachim, a julgar pela sua postura. O meu tesouro se esvaía. A angústia que me tomou, foi subindo, subindo e me fez acordar, interrompendo a cena e talvez salvando-me da visão de um terrível vexame.
Alma, Alma diga-me, você pode desvendar esse sonho para mim? Tenho ouvido falar de seus dons de interpretação e de análise de anagramas. Você pode me ajudar. Continuo sob o efeito humilhante desse sonho, se é que isso foi um sonho...”

– Guilherme, –disse eu– Posso tentar fazer o seu anagrama. Mas não
posso prometer nenhum resultado, pois não sei se saberei interpretar as palavras, ou frases que surgirem. Mas vamos lá...
Peguei papel e caneta, sentei-me à mesa e escrevi o seu nome pondo-me num estado de abstração, com a mente em branco, que uso para desenhar com a técnica Zen. Surgiram imediatamente as palavras:
GUILHERME DE FARIA
FEIG MURALHA DE REI
A seguir um novo anagrama :
DARA EFIGIE MULHER
E mais outro: ILHA GERME DE FURIA

Guilherme acompanhava tenso minha mão que colhia as palavras rapidamente. Estava muito sério e emocionado. Parecia pressentir-lhes o significado, como eu, antes mesmo de decifrarmos o sentido delas ou das frases.
Comecei a analisá-las, intuitivamente assim:
FEIG, nome alemão que significa homem vil, covarde. Tratava-se do personagem em que ele se via no sonho. Podia ao mesmo tempo tratar-se de um típico sobrenome alemão como Veiga em português que tem nitidamente a mesma raiz etimológica: o V como abrandamento do F germânico, e um A, vogal eufônica, adicionada ao G final ( gutural germânico ) e a leitura fonética
direta EI, em vez da pronúncia alemã “FAIG”. Assim, também , o nome Viegas tem a mesma etimologia, bem como Faio. À propósito, Guilherme lembrou de um seu antepassado, português do século XVII, aventureiro mercenário, um tipo picaresco de anti-herói, chamado Lourenço Dias Viegas.
Prosseguindo:
FEIG ( junto à )MURALHA ( de um )REI
Ou : FEIG sentinela do REI
DARÁ um retrato(EFIGIE) de MULHER
A uma ILHA, originando(GERME) a Guerra (FURIA)
Enfim:
O soldado alemão Feig, dará á sua Ilha natal, o retrato de mulher roubado ao castelo do rei (da Prússia?), do qual foi sentinela antes de desertar (Feig= covarde= desertor). Isso o tornou proscrito, fazendo-o juntar-se a outros apátridas, isto é, piratas. Daí por diante, obcecado por aquela imagem do retrato (efígie ), pela qual se apaixonou, a ponto de roubá-lo; estendeu sua obsessão por aquela pintura, à grande arte em si e com a perspectiva de restaurá-las ou refazê-las ( isto está subentendido no sonho). Deduzi que o sonho significava a origem, no século XVII, da vocação de sua ANIMA PICTORICA, isto é, da sua alma de pintor.
Transmitia-lhe essa análise, um tanto especulativa, que Guilherme ouvia, extremamente emocionado. Neste momento interrompeu-me:
—E o duelo? Quem era aquele homem terrível, com o meu próprio rosto, como um irmão gêmeo, mas com aquela expressão... O que aconteceu depois? O que ia ocorrer quando despertei? Consulte o Anagrama, Alma. Prossiga, por favor!
Instada por ele, retomei a caneta e as palavras surgiram como resposta à sua pergunta, num novo Anagrama perfeito:
UA MA LIDE HERR FEIG
( UA= maneira arcaica de evitar o cacófato UMA MÁ )
LIDE= palavra feminina que equivale a DUELO
HERR= “Senhor” em alemão
UM MAU DUELO, SENHOR FEIG
O Anagrama nos respondera irônicamente!
Guilherme insistiu: –E depois? E depois?
Minha mão continuou, achando mais um Anagrama, em resposta:
HERDAR GUME E FILIA
—O que significa isso, Alma? Não estou agüentando de curiosidade, disse Guilherme.
Respondi: —Certamente estes dois últimos Anagramas explicam o que estava para ocorrer: você iria herdar a espada ( GUME ), e o caminho, (descendência) ou mesmo a filha daquele homem( FILIA).Trata-se do duelo entre você e sua sombra, duplo ou alter-ego: o seu lado mau e corajoso, contra o seu lado bom, mas tímido ( Feig ). O duelo filosófico que produziu a fusão equilibradora entre esses extremos. Estou certa?
—Sim, Alma, sim , é prodigiosa a sua interpretação. Por isso, agora entendo, havia uma dissociação nestes dois extremos quando eu tomava porres em minha juventude. Ora um, ora outro, aparecia. Como será que se chamava, ou se chama meu alter ego? Tenho agora esta nova curiosidade. Você pode me dizer?
—Guilherme, –disse eu— para isso ainda faltam elementos, mas certamente encontraremos a resposta nos próximos dias. Agora preciso descansar. Estou com uma tremenda dor de cabeça. Isso sempre ocorre. Preciso parar e ficar com a mente quieta, me desculpe. Agora vá, e ligue-me dentro de uns dias, sim?
Guilherme desculpou-se, responsabilizando-se por esse meu estado, beijou-me as mãos e partiu, meio siderado. Fui direto para a cama. Só o sono profundo poderia me restabelecer de tanto esforço mental, despendido no processo misterioso daquele desvelar dos nossos inconscientes em sintonia.
No dia seguinte acordei com o telefonema do Guilherme. Ele não agüentara esperar nem um dia quanto mais três como eu lhe pedira:
—Alô, Alma, bom dia! Você está bem ? Ótimo, preciso vê-la. Tive outro sonho. Descobri um pouco mais daquela história. Feig reapareceu em novos fragmentos de sua vida aventurosa. Já sei o seu nome todo: Thomas Feig .— ( Tive um arrepio, lembrando-me do pobre Thomas Veiga, meu falecido marido...) — Alô, Alma, receba-me logo, por favor, preciso de você!
Ainda estremunhada de sono, concordei em recebê-lo às três da tarde. Eu precisava da manhã para meditar e depois ter um forte almoço antes de gastar novamente tanta energia mental.
Pouco depois de desligar, o telefone tocou novamente. Era Renina dizendo carinhosamente, rindo:
—Alma, querida, o que você fez com o Guilherme? Ele está mais doido que nunca. Telefonou-me ontem à noite e falou-me uma hora, de você. Está obsecado. Trata-a como uma pitonisa ou Vestal sagrada. Ou, melhor, como Musa. É bem dele isso! É um homem muito apaixonado, por tudo. É sua maneira de ser. Mas quando ele canalisa sua paixão vital sobre alguém, sai debaixo! A mulher dele, Eliana, que se cuide. Ela é uma grande mulher, mas suspeito que irá sofrer ou que já sofre muito com um marido assim. Bem, isso é comum nos artistas, não é mesmo? Nós sabemos disso. Mas, você está bem, Alma? Tenho pensado em você e nos seus espantosos anagramas. Eles não me deixaram dormir por uns dias. Mas depois tudo voltou ao normal. Os tesouros do inconsciente devem permanecer onde estão, é o meu parecer. É ali que eles tem a sua vida , e dirigem indiretamente a nossa vida consciente a uma distancia segura, como do porão das máquinas. Querida, pare de mexer com isso. Pode fazer mal a você. Não sente isso?
—Sim, Renina,—respondi— Creio que você tem razão. Tenho tido umas dores de cabeça na base do crânio, na intercessão da primeira vértebra cervical. Como se estivesse forçando alguma coisa. Esse tipo de pensamento desvelador, dos arquétipos profundos, trabalhando assim, em estado de vigília, parece não fazer bem. Talvez , a consciência desses arquétipos, e também a memória de nossas vidas passadas seja algo proibido. Não estou muito segura da validade do que estou fazendo. É tudo muito interessante, mas mexe muito comigo e com as pessoas envolvidas também. Suponho que a única justificativa é um aumento do auto-conhecimento. Mas, nesse momento, lembro-me do Eclesiastes: “ quanto maior o conhecimento, maior a dor...”
Renina ficou uns segundos calada, comovida, eu senti. Depois disse:
— Alma, você é tão jovem, e sabe tanto... Cuidado, sua mente é prodigiosa...e frágil. Cuide do seu equilíbrio, acima de tudo. Você me preocupa. Desde que a conheci, tenho-lhe a maior estima. Não tive filhos, mas a senti como uma filha, não sei porquê. Talvez a filha que eu gostaria de ter tido. Uma artista, sensível e apaixonada... pela vida e pelas pessoas em geral. Você me faz lembrar de mim mesma em minha juventude. Mas a vida me ensinou um distanciamento mais prudente. O seu envolvimento emocional com todas ou quase todas as pessoas que se aproximam de você, pode lhe causar um imenso desgaste, pondo em risco seu equilíbrio e até essa felicidade de onde emana, visivelmente, a sua arte. Mas... estou me imiscuindo muito em sua vida. Desculpe-me.
—Não, não, Renina, sou-lhe imensamente grata. Vou me lembrar sempre de suas sábias palavras. Sinto, às vezes, que preciso ser detida. Minha sensibilidade se torna exagerada ou mórbida, e eu piro. Não posso conhecer ninguém mais a fundo, que passo a amar essa pessoa. E só quero conhecer as pessoas a fundo. Não sei, não sei se terei jeito.
— Querida, —finalizou Renina—não se preocupe. Não exageremos. Quero vê-la logo. Depois você me contará esse anagrama do Guilherme. Que loucura! Na verdade estou curiosa. Até logo, Alma, cuide-se, hem?!
Renina desligou, e eu fiquei um bom tempo pensativa. Depois fui tomar o meu café da manhã para continuar a pintura da grande tela que tenho no cavalete e que chamarei “Anagramas”.

De tarde, à hora combinada, recebi Guilherme, que entrou com aquele seu olhar agudo e obsessivo. Entrou já ofegante, dizendo:
—Alma, você não imagina! Reencontrei o Feig num novo sonho ou fragmento de sua vida. Ele realmente pertencia a uma ilha, sua terra natal. Ali escondeu-se após o furto do retrato e sua deserção do serviço do rei da Prússia. Ouvi seu nome na boca de um interlocutor: Thomas... Thomas Feig . Ele apaixonou-se por um retrato, você viu isso no anagrama, espantosamente. Esse retrato apareceu, nítido, no sonho desta manhã.
Era...você, Alma. Uma donzela idêntica a você. Eu roubei essa tela da coleção real e tive que desertar, fugir. Tive toda uma tropa no meu encalço. Mas eu conhecia profundamente as muralhas onde servia como sentinela. Sabia de um túnel secreto muito antigo e desconhecido do próprio rei e de seus soldados. Permaneci num subterrâneo sinistro, cheio de ratos, toda uma noite, usando o archote para percorrer o túnel e olhar o seu retrato naquelas profundezas. Ao alvorecer, saí por uma toca, no meio de uma floresta e não fui percebido. Depois, através de muitos percalços, minha associação temporária com piratas, e um duelo em que milagrosamente sobrevivi matando traiçoeiramente meu oponente, tomando-lhe a espada e com ela fazendo-me passar por ele diante de sua filha, uma menina chamada Rena, consegui com sua ajuda, chegar à minha ilha natal. Meu pai, recebeu-me como filho pródigo, com uma grande festa, perguntando-me por Lorenz, meu irmão. Respondi-lhe: “Não sei, pai, acaso sou eu o guarda de meu irmão? Meu pai ficou silencioso e suspendeu a festa. Olhou bem o retrato e disse:—“ Thomas, meu filho, quero que vá embora. Temo que esse retrato nos trará desgraças. Quem é a modelo? Se não é sua noiva , virão buscá-lo e minha casa cairá. Deixe aqui comigo a minha neta, e vá procurar Lorenz, seu irmão. Ele é um grande guerreiro e nos protegerá dos nossos inimigos. Sim, porque sinto que esse retrato nos ocasionará uma multidão deles, que se chocarão contra os nossos portões.” Nesse momento senti uma angústia e meu sonho se interrompeu, acordando-me. Alma, está tudo claro. Na verdade não vim mais para consultá-la, mas para participar-lhe minha descoberta. O retrato era seu, Alma. Eu me apaixonei por você através do seu retrato...mas não sei se a conheci pessoalmente, o que na verdade não importa. Mas queria saber, por curiosidade, e para que o círculo se feche. Quem era você? Porquê o seu retrato estava ali, no castelo do rei da Prússia, pendurado numa parede do seu quarto? Como tive acesso a esse quarto,eu, um simples soldado, sentinela? Seria você uma filha do rei, uma princesa? Certamente que sim. O rei era velho, em meu sonho, e apareceu vagamente, sem rosto . Mas você, o seu retrato, era deslumbrante. Alma, precisamos achar esse retrato. Uma tão grande obra de arte, de tal beleza, com tal modelo, deve ainda existir. Algo me diz isso. Pressinto que o acharemos, de um jeito ou de outro se nos empenhar-mos... numa pesquisa. Sei que ela parece supérflua, uma vez que você está aqui, diante dos meus olhos. Ainda assim, sinto que preciso desse quadro, eu cobiço ainda esse quadro, não sei porquê. Para devolvê-lo, talvez, a você?
— “Guilherme,”— disse eu —“parece-me claro que você pode pintar esse quadro. Cabe a você pintá-lo. Para isso você saqueou quadros e mais quadros, restaurou-os e repintou-os. Agora você está pronto para a sua obra prima. Pinte meu retrato, eu lhe peço. Eu lhe conclamo”. ( Calei-me, embargada. Como eu dissera aquilo? Num impulso? Fiz mais: depositei uma paleta, pincéis e tintas sobre a mesa. Retirei meu quadro do cavalete, o inacabado “Anagramas”, coloquei uma grande tela em branco e, em seguida, desnudei-me no meio da sala, deixando minha roupa cair aos meus pés ).
Guilherme, emocionado, empunhou a paleta e os pincéis.


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Nota da editora:

Alma incluiu nos seus "Sonetos Pampianos" este que transcrevo aqui abaixo, por curiosidade, onde ela cita nos dois tercetos o epísódio narrado no conto Anagramas:


Minhas vidas (de Alma Welt)

(134)

Tenho certeza de que um dia voltarei
Assim como voltei já muitas vezes
No corpo de mulheres e de um rei
Que não perdeu seu trono mas as rezes*.

Fui poeta, pintora e não matrona
Mas me orgulho mesmo da D’Affry*,
Adèle, a Castiglione, a Colonna
Que descobri ao ver a sua Pithie*.

Mas no século das luzes e “de Ouro”*
Fui princesa com retrato no castelo
Pintada tão real e sem desdouro

Que tive o meu “portrait” então roubado
Por um Feig que embora também belo,
Era soldado, desertor e desastrado.

17/01/2007

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

No Ateliê


No Ateliê- Esta pintura (óleo s/ tela de 100x100cm, de Guilherme de Faria) ilustra o conto "Meu pequeno vizinho", dos Contos da Alma , de Alma Welt. O quadro no cavalete reproduz uma pintura de Jonas, o pequeno discípulo da Alma. - Coleção Flávio Guimarães, São Paulo.

Alma e Jonas