quarta-feira, 22 de agosto de 2007

O estupro (de Alma Welt)


O pranto de Alma Welt- óleo s/ tela de 60x80cm, de Guilherme de Faria, coleção particular, São Paulo


(Trecho do capítulo quarto de A Ara dos Pampas, romance inédito de Alma Welt)

Chegando em São Paulo, fomos direto para o nosso apartamento, meu estúdio, como prefiro designá-lo, na rua Oscar Freire, para banharmo-nos, descansarmos, fazer amor e dormirmos até o dia seguinte, antes de enfrentarmos os trabalhos de empacotamento, encaixotamento, etc, para a nossa mudança definitiva. Rescisão de contrato, pagamento de multa, entrega das chaves, etc, quantas providências! Não me deterei sobre elas, mas devo relatar aqui algo que não tive coragem de contar à própria Aline:

O estúdio já estava bastante desmontado, os caixotes empilhados no meio da grande sala do ateliê. Aline saíra para buscar mais caixas de papelão para os livros e tralhas. O interfone tocou. Era, surpreendentemente, o Pedro. Como soubera ele que estávamos de volta? Talvez tivesse telefonado para a estância...O fato é que ali estávamos, ele e eu, confrontando-nos pela segunda vez em nossas vidas. Eu estava tensa, se não amedrontada. Ele bateu os nós dos dedos na porta aberta e entrou com sua presença forte, imponente e, à primeira vista, atraente. Enquanto ele fechava a porta atrás de si, recuei um pouco, talvez tenha sido esse o meu erro. O macho farejou o medo, a fraqueza, e resolveu impor-se:

–Alma, vejo que está só. Aline não está, não é mesmo? É melhor assim, preciso falar-lhe, você me deve explicações. Quero Aline de volta, você a tomou de mim, não sei com que poderes, com que armas. Mas não posso aceitar isso, como uma derrota. Sei que Aline me ama. Você não sabe o que há entre nós, você é uma arrivista nesta história, não sabe o que já passamos juntos, tudo o que vivemos um com o outro. Não posso aceitar isso. Você a seduziu, você a enfeitiçou com a sua beleza irreal, só pode ser isso!

Ele avançou para mim, enquanto eu recuava esbarrando numa pilha de caixotes de madeira. Suas grandes mãos me agarraram pelos braços e ele prensou-me, curvando-me sobre as caixas. Senti o volume enorme do seu pênis encostar-se ao meu púbis e encaixar-se entre as minhas pernas sobre o vestido, tão fino, tão ralo, o meu vestido (tão vulneráveis que somos, as mulheres...) Sentindo as minhas formas, ele mais excitou-se e percebi seu mastro empinar-se. Eu estava em apuros! Tentei gritar, mas a sua mão enorme cobriu-me a boca, enquanto, habilmente, com a outra ele abria sua braguilha e erguia com seu próprio membro, imenso, a minha saia, e invadia a minha calcinha pela borda da virilha, encontrando a minha fenda sem que eu pudesse colocar qualquer obstáculo, já que o seu próprio corpo estava inteiro abrindo-me as pernas, já praticamente deitada à força nos caixotes. Senti o seu grande pênis adentrar-me como um ferro em brasa e gritei, gritei, chamei Aline, debati-me impotente, pois ele segurava meu pescoço com sua munheca poderosa, e eu perdia o ar, quase desfalecendo.

Ele ficou muito tempo entrando e saindo de mim, até eu nada mais sentir, de tanta dor e medo. Ele ia matar-me em seguida? Era a minha preocupação... Mas ele afastou seu peito do meu e virou-me com único golpe de mão sob minha anca, e pôs-me de bruços sobre os caixotes. Dei um imenso grito, logo abafado por sua mão, enquanto ele me invadia por trás, lubrificado apenas com o meu próprio molho, ou mesmo meu sangue. Sodomisou-me longamente, com a respiração sibilante, entrecortada, estertorante, que me horrorizava, em meio à dor. Depois... saiu inteiro, para observar-me e logo voltar a invadir-me excitado novamente com a visão que teve, que lhe pareceu mais convidativa. Eu estava perdida, pois só lhe restava matar-me, e esperei passivamente o seu golpe de misericórdia, entre lágrimas e soluços. Então... ele saiu de mim, largou-me, tremendo também, eu percebi, apesar de tudo. E afastou-se fechando a braguilha manchada, andando um pouco de fasto, até virar-se e sair, não antes de dizer, com voz emocionada e sinistra: “Adeus, Alma, agora você sabe mesmo o que é o homem, e do que Aline gosta. Agora podem se amar, porque estarei sempre no meio de vocês!”

Com imenso esforço, em meio a terríveis dores, desvirei-me, pus os pés no chão e caí de joelhos, arrastei-me gemendo e chorando, até a pequena escadinha de armar, que servia para desmontar as estantes, e derrubei-a para simular um acidente. A seguir desfaleci.

Voltei a mim com o rosto de Aline, aflito, sobre o meu, soprando-me e beijando-me, entre tapinhas nas minhas faces:

– Alma, alma, o quê houve? De onde vem esse sangue no seu vestido? Você caiu? O quê aconteceu. Você está ferida!

– Sim, sim, Aline, eu caí da escada, devo ter me arranhado, nada sério, acho que desmaiei de susto, mais do que da pancada. Vou ficar bem, não se preocupe, Aline ( dei um soluço profundo, que tentei em seguida disfarçar). Aline não estava convencida e ergueu-me subitamente a saia e soltou um grito, horrorizada. Queria examinar, correu ao banheiro para buscar uma toalha de rosto, que molhou na torneira da pia, e veio limpar-me. Ela perceberia tudo! Eu não podia deixar que isso acontecesse. Isso acabaria com a sua felicidade, isso a revoltaria de uma forma ou de outra. Eu a perderia! Eu a perderia!

Arrastei-me com dificuldade, pus-me de pé, trêmula, dizendo:

– Aline, bati meu púbis de encontro a quina de um caixote, quando a escada tombou. Estou ferida, sim, mas não fiques assim, que tu me assustas. Chama apenas um médico, o doutor Glauco, só isso. Só ajuda-me a deitar, minha linda, e a repousar. Preciso dormir.

Aline, em lágrimas, atarantada, ajudou-me a pôr-me no leito, cobriu-me e imediatamente ligou para o médico. Não ouvi mais nada.

Acordei com o doutor Glauco, tomando-me o pulso. A bondade do seu rosto de velho sábio, foi consoladora: um rosto benevolente de homem, era isso que eu precisava ver agora, para não odiar todos eles, os machos sanguinários, nossos predadores ancestrais. Não, não, Alma, não pensa assim! Tu nunca pensaste exatamente assim e, no entanto, não foi a primeira vez que foste atacada. Meus pensamentos estavam confusos, e minhas lágrimas voltaram a correr, enquanto o doutor Glauco descobria-me, erguia a minha saia, tirava a minha calcinha manchada, examinava-me, com um sibilado perplexo entre dentes. Pediu então para Aline sair do quarto e disse:

–Alma, você foi estuprada, não adianta negar. A sua amiga transmitiu-me a sua versão para esse sangue todo, e não me convenceu nenhum pouco. Queda! Pois sim! Você caiu sobre a quina de um caixote? Podia até ser! Mas esse esperma todo, de onde veio? E o seu ânus, foi também atingido pela quina do caixote? Com esse esperma, igualmente? Não, Alma, não negue. Quem foi o responsável por esse crime? Não queira defender nenhum bandido. Um homem assim merece cadeia. Alma, você tem que dar queixa. Trarei um delegado meu amigo, aqui, porque você tem de permanecer acamada. Vamos, conte-me tudo.

–Doutor, pelo amor de Deus, não contes nada à Aline. Não posso, doutor, não posso dar queixa do agressor. Acredita-me, tenho motivos muito fortes para isso. Aline perderia a sua felicidade, e eu então a perderia, a ela, Aline. Entenda-me, doutor. Já compreendeste, não é? Sempre pude confiar no senhor, nunca me faltou antes. Não posso perdê-la, doutor, eu morreria. Por misericórdia! (Caí num imenso pranto, enquanto o doutor abanava a cabeça e me ajeitava o travesseiro, cobrindo-me paternalmente. Lembrei-me do Vati, quando me punha para dormir, guria ainda, ou até mais tarde, e as lágrimas mais corriam).

Ele disse:

– Está bem, Alma, já que quer assim, mas vou lhe receitar uns anti-inflamatórios e analgésicos, e ainda um teste de HIV, que você deve fazer dentro de poucos meses, não se esqueça (ele escreveu a receita do teste num papel à parte).

Eu, na verdade não temia esse aspecto da coisa, pois Aline comentara comigo o fato de Pedro ter o seu certificado de HIV negativo, como um compromisso entre eles. No entanto, esse comentário do médico me fez explodir em mais lágrimas, talvez pela vergonha que senti da minha situação.

O bondoso médico tranqüilizou-me com um sorriso triste, pôs os dedos nos meus lábios, fazendo schhhhh... schhhh... Eu sabia que ele não diria nada. Esse homem me amava como a uma filha e saberia preservar a minha teimosa felicidade. Antes de sair, abriu novamente a sua pasta e colocou-me na mão um envelope da “pílula do dia seguinte”, apontou significativamente o envelope com um gesto enfático, e retirou-se.

Eu sabia o que deveria fazer.

01/08/2005

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