sexta-feira, 31 de agosto de 2007

O jardim noturno (de Alma Welt )


Retornando ao casarão, após a temporada paulistana, no trenzinho eu me comovo durante o trajeto final com a beleza do meu pampa apesar da devastação crescente, dos novos campos lavrados e mais árvores cortadas. Mesmo assim, parece que o Pampa misteriosamente resiste, e no caminho, da estaçãozinha para a estância, de charrete, vendo passar uma boiada conduzida por nossos peões à caráter, eu sinto o peito inundado de amor por minha terra. Galdério, com sua fala cantadíssima parece embalar-me com a música autêntica destas pradarias e eu começo a pensar em não mais sair daqui, e entregar o ap paulistano, trazendo o ateliê de volta para cá. A Internet por rádio me permitirá isso, eu não estarei isolada como escritora.

Ao avistar o casarão, de longe, enxergo o Rôdo na varanda, de bombachas, esperando-me com o chimarrão na mão. Que alegria! Meu irmãozinho está aqui. Não o deixarei sair mais, até Fevereiro. E quero meus sobrinhos aqui, todos. Hans, Christian, Pati e Pedrirnho. E que tragam amiguinhos, ou colegas de escola, para a temporada. Quero a casa cheia! Escreverei de noite, de dia serei toda deles. Quero inundar-me por dentro de sua pureza, de sua ingenuidade encantadora.

Rôdo me abraça, beija-me nos lábios, e eu me derreto em seus braços, em plenitude. Ele passa o braço em minha cintura e vamos juntos para dentro, ele carregando a minha mochila, para saudarmos Matilde na cozinha. Logo estou nos seus braços, beijada em lágrimas, enquanto ela exclama: — “Minha guria, minha guria! Como estás magrinha! E guapa. Sempre a nossa princesa!

Estou em casa.

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Noite, na estância. A sinfonia dos grilos e dos sapos. A festa dos pirilampos, minhas fadinhas. Eu caminho ao luar, de negligé transparente, seminua, na verdade. Quero sentir-me branca, branca, enluarada, fantasmagórica neste jardim de minha infância e adolescência. Rôdo vem encontrar-me, de calça de pijama, sem camisa, e noto mais uma vez como é belo o meu irmão. Que tórax, que rosto, que cabelos! Abraçamo-nos e ele me conduz por entre as sebes em labirinto, até o nosso caramanchão. Aqui, quantas vezes nos refugiamos para nos beijar e tocar a salvo dos olhares das minhas irmãs e... de Ana Morgado, a Açoriana, minha mãe. Nunca puderam nos conter, é verdade. Fomos sempre motivo de escândalo. Nos separaram por anos. Agora já ninguém nos reprime, os tempos são outros. Só não podemos “dar bandeira” entre os peões. Rôdo deita-me na relva e coloca-se ao meu lado, ambos olhando a lua, lado a lado. E sei que logo ele se virará, e se colocará por cima de mim... e eu não resistirei.

Então, um arrepio. Uma viragem, uma brisa forte, logo um vento. O minuano, o Velho Mino! É ele! Ele ainda nos persegue, nos censura, nos expulsa do paraíso! Não nos quer assim, irmãos-amantes. Ele traz a voz da minha mãe, a Mutti, nos assombrando, desde o seu túmulo próximo daqui.

"Sim, Mutti, sim! Não faremos mais! Não faremos mais! Eu prometo. Não, ele não me tocou, foi só um beijo, um beijinho, mamãe! Não bata nele! Bata em mim! Bata em mim!"

Olho em torno. O jardim está adormecido. O casarão dorme. Rôdo dorme em seu quarto. Estou só. Para sempre só. Meu Pampa dorme... encantado

09/08/2006

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