terça-feira, 25 de março de 2008

O adolescente

(dos contos Pampianos de alma Welt )


Patrícia, minha sobrinha, traz amigos para um feriado prolongado em nossa estância. Entre eles, o seu namoradinho, que veio acompanhado de um colega, um guri menos tímido que ele, com um charme precoce, irresistível. Um malandrinho, que logo de saída botou os olhos sobre a tia Alma aqui. No início tive vontade de rir, com as manobras do rapazinho para chamar-me a atenção, mas confesso que o guri é jeitoso, e não desastrado como costumam ser os adolescentes. Admirei-me de ver que os seus gestos, movimentos e pequenos ardis para me cortejar, eram encantadores, com um timbre precoce e sobretudo competente. Alair é um portento social, e me admira que todas as gurias não estejam apaixonadas por ele. Talvez isso aconteça por não ser facilmente compreendido, e sua sofisticação não ser atingida pelos guris e gurias de sua idade, que o consideram estranho. Será certamente um diplomata, um espião ou aventureiro internacional, no futuro, é o meu prognóstico, um tanto infantil, na verdade, reconheço.
O guri faz-me a corte, trazendo-me taças de vinho branco gelado, uma maçã polida como um espelho, ou um buquê de flores bastante bem composto, colhido por ele, muito eficaz, vocês sabem, com as mulheres. Achei graça no início, mas o belo jovem procura esmerar-se em seu charme, e começo a reparar em seus olhos, seu nariz, sua boca, e sobretudo seu cabelo, tão bonito. Além disso é alto e magro, o que é meio caminho andado, ao meu ver.
Uma manhã, enquanto passeava no jardim com Patrícia, o jovem galã se aproximou e disse, surpreendentemente:
—Patrícia, peço-te o favor de me deixares um instante a sós com tua tia, pois tenho de falar-lhe em sigilo. Pode ser, minha amiga?
Espantei-me mais uma vez com a sua segurança, seu aplomb. Patrícia deu-me um beijinho no rosto e afastou-se com naturalidade. Eu olhava para Alair , intrigada.
—Senhorita Alma, quero fazer-lhe uma proposta. Meus pais têm uma estância, em Livramento, e temos um problema: a beleza nos abandonou, há coisa de cinco anos, e tudo se desarranjou por lá. Não há flores, as árvores, antigas, têm cupim e estão morrendo. A piscina tem limo e ninguém quer entrar nela. A casa é triste apesar de ter sido bela no passado. Os quadros são retratos escuros, e parece um museu tenebroso, ou a pinacoteca do solar de Usher. Entretanto eu te garanto que não há fantasmas por lá, pois tenho a certeza que tua alegria e beleza salvariam nossa estância dessa espécie de maldição que a assola. A falta de motivação de beleza é o seu mal. E a senhorita seria a sua cura, rápida, tenho certeza.
Fiquei boquiaberta, jamais poderia esperar um galanteio tão elaborado e requintado, da parte de um adolescente, mesmo como esse. Não sabia se ria, ou se levava a sério. Seria verdade essa estória quase gótica, ou tudo não passaria de imaginação de um guri bem dotado, uma artimanha criativa, de um jovem inteligentíssimo, embora imaturo?
–Alair, estou surpresa. Essa estória é muito estranha. Queres que eu devolva a beleza à sua estância. Alguém tem esse poder? Não estás sonhando, meu jovem? E teus pais, sabem disso. Tua mãe por acaso quer redecorar o “castelo”? Não sou decoradora, sabes muito bem, e sim artista plástica (eu me fazia de desentendida, pois aceitar o sonho desse menino, era cair na sua incrível armadilha, de um requinte inacreditável de imaginação).
—Não, senhorita Alma, creio que não entendeste a minha proposta. A senhorita nada teria que fazer, nem sequer um conselho ou uma sugestão. A senhorita apenas se hospedaria em nossa casa e passearia por lá, dentro e fora da casa. Só isso. Tenho a certeza que a beleza voltaria aos poucos ao nosso lar, a começar pelos corações e mentes dos meus pais, que a esqueceram, faz tempo. Tenho absoluta certeza da eficácia do meu plano.
Eu estava estupefata. Creio que corei. Esse guri me atingira em cheio. A sua idéia era... incrivelmente poética. Passei a mão no seu rosto imberbe, olhando-o fundo nos olhos. Ele nem pestanejou. Esse menino soberbo. Eu afinal fiquei confusa, e hesitei:
—Alair, Alair, tu és surpreendente, meu guri. Não estás brincando comigo? Olha que não se faz isso com uma moça... Tua proposta é bela e me lisonjeia demais. Passear por lá... como uma “fada primavera”, daquelas da suíte Quebra-Nozes, hem? Seu safadinho, tu queres te divertir às minhas custas, ou tens uma alma parecida demais com...a minha. Isso é, de todo modo, .incrível!.
—Alma—( ele parou de usar o senhorita)—Não custa nada pensar. Minha proposta é séria. Amanhã terei que voltar à minha estância, e queria submeter essa proposta aos meus pais, que certamente a aceitarão, principalmente se levarmos Patrícia e meu amigo, como pretexto. Eles ficarão mais tranqüilos se formos nós quatro, como retribuição à magnífica hospedagem que vocês nos proporcionaram.
Eu fiquei olhando o rosto de Alair, boquiaberta, enquanto ele se afastava, estranhamente seguro de si, como sempre.
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No dia seguinte, de manhã bem cedo, eu já tomara minha decisão, depois de uma estranha noite, agitada, de sonhos intrigantes que se passavam em salões e corredores de um castelo, que certamente fora evocado pela minha imaginação, pela sugestão de Alair, e à descrição de sua casa. No meu sonho os jardins, de árvores e arbustos secos, retorcidos, floriam à minha passagem, e os quadros sombrios dentro da casa, brilhavam mais coloridos ao meu olhar sobre eles.
Esperei por Alair, à mesa do café da manhã, e ele logo apareceu com a sua mochila de viagem, para tomar a refeição matinal antes de partir. Saudou-me com naturalidade, enquanto eu sondava seu rosto para ver se encontrava ali alguma marotice. Não, esse guri era absolutamente honesto, embora galante. Tomamos o café em silêncio, enquanto eu o servia com esmero, passando patê em suas torradas, fazendo um café com leite e até sugerindo-lhe um chimarrão, que ele recusou.
—Alair, já tenho a resposta para ti—(eu subitamente disse, sem que ele me cobrasse).
—Sim, Alma, qual é?
–Alair, pensei muito, e descobri que a tal proposta que me fizeste só poderia nascer na mente de um poeta. E cabe a esse poeta, portanto, devolver a beleza à sua estância. Só os poetas têm esse poder. E se és, como penso, filho da poesia, saberás fazê-lo por ti mesmo. E quando conseguires, pela tua bela alma, pela criatividade maravilhosa de tua mente e pela pureza evidente do teu coração, me convidarás então a visitar-te, para fruir o teu belo castelo e os jardins floridos de tua alma, que estarão em volta de ti , para sempre. Espere-me lá, quando o teu cenário ideal estiver pronto. Eu passearei com Patrícia e teu amigo, felizes os quatro, lá, quando chegar esse tempo.

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