sábado, 8 de setembro de 2007

O Condestável Gottfried (de Alma Welt)

Três fragmentos do romance O sangue da Terra, de Alma Welt

O condestável Gottfried suspendeu a caçada, entregando sua balestra ao seu escudeiro e estendendo a mão enluvada, apanhou o bilhete que lhe trazia um pajem que chegara a galope. Leu, e em seguida amassou o bilhete, e com ele cerrado no punho deu rédeas ao cavalo, que por sua vez galopou de volta ao castelo.
O fidalgo, visivelmente irado, cruzou a ponte levadiça a galope, e apeando do cavalo ainda em movimento, atravessou parte do pátio, espantando as galinhas, e saltando alguns degraus adentrou o amplo portal, e a passos largos, como um furacão, foi direto à cozinha, onde encontrou Lady Margareth, a inglesa que desposara, depois de um tempestuoso caso diplomático que incluíra paixão e intrigas palacianas, e ali em frente aos cozinheiros, copeiras e outros serviçais, homens e mulheres, agarrou brutalmente sua esposa que quis esboçar um sorriso, mas logo assustada e horrorizada, foi virada de costas e inclinada sobre a grande mesa da cozinha, teve sua ampla saia e as suas sete anáguas levantadas e suas brancas nádegas expostas. Retirando seu imenso membro rubro e vibrante, da braguilha estourada, o duque enterrou-o de imediato e brutalmente no ânus rosado de sua mulher, que soltou um imenso grito, sodomizando-a, ali, na frente da criadagem. Depois do violento orgasmo, agarrou-a pelos longos cabelos ruivos e arrastou-a pelo salão e corredores, até o quarto, onde empurrou-a sobre a cama de dossel, desfigurada e em lágrimas, atirando-lhe por cima o bilhete amarfanhado, em seguida retirando-se imediatamente, sem nenhuma palavra, cerrou a porta, trancando-a por fora, à chave.
Lady Margareth engravidou depois daquela noite, e durante toda a sua gestação, corria no palácio, principalmente entre a criadagem, que fora fecundada pelo ânus, coisa que muitos testemunharam, e que a criança seria, portanto, “filha de Sodoma” e nasceria, literalmente “por ali.” Ao nascer, a criança foi arrancada aos braços da mãe e entregue a um casal de camponeses para que a criassem longe dali, mas ainda em terras do duque.
Minha avó Frida, que eu considerava uma espécie de bruxa, contou-me esta estória quando eu tinha doze anos, sem maiores considerações pela minha inocência, para explicar as origens camponesas de nossa família, que seria descendente, assim, de um duque e “condestável”, como ela o designava, justificando nosso retorno à posse de terras, embora tão distantes daquela Alemanha medieval onde estava a origem de tudo. Nunca saberei se ela inventava aquilo, mas o detalhe da sodomia me impressionava sobremaneira e presumo que o grotesco daquela cena se devia a uma necessidade de minha avó de rebaixar tão alta linhagem, para tornar mais verossímil a sua estória. Ela queria dizer que, de qualquer maneira, éramos de linhagem espúria, pois nosso antepassado tinha sido gerado e parido “por trás”, como os criados e camponeses acreditavam.
De qualquer maneira, qualquer que tenha sido a verdadeira história das origens da nossa família, eu não podia deixar de admirar instintivamente o cunho folclórico de tudo aquilo, e sobretudo, a veia satírica de minha avó, seu amor do grotesco, que ela evidenciava entremeando sua narrativa com gargalhadas finas, cacarejantes, que mostravam seus poucos dentes na boca horrenda e murcha. Eu tinha certeza que estava diante de uma bruxa, mas permanecia fascinada.
Muitos anos mais tarde, vim a saber que aquilo era possível, senão provável, pois o esperma de um homem corria longe, na sua procura do óvulo, e escorrendo sobre a vulva, a partir do orifício anal, poderia fecundar a mulher, e que isso ocorria mais freqüentemente, até hoje, do que as pessoas supunham. Na adolescência tive um período de medo de sentar-me na banca da privada, pois amiguinhas da escola me diziam que se podia engravidar, se um homem tivesse se sentado ali primeiro, sobretudo se o assento ainda estivesse quente. Tais superstições, todas com uma pequena base real, poderiam ter assombrado a minha infância e pré-adolescência, não fora a sabedoria de meu pai, que desvelava e explicava todos os fenômenos da natureza, sem roubar-lhes a poesia e mesmo a quota de mistério, subjacente a toda vida do homem sobre a terra.
Entretanto, apesar do caráter picaresco daquela estória, minha avó também queria embasar um pequeno mito corrente na família, e estendendo aquela sua mão ossuda, que parecia uma garra de pássaro, e tocando meus cabelos dourados, e minha face muito branca, disse, fechando a narrativa:
—Alma, tu és a prova da parte nobre da nossa linhagem, com tua aparência de princesa, assim como o Werner é a própria imagem do Condestável. Quanto a Solange e Lúcia, são a parte camponesa. O Rudolf, teu Rôdo? Bem, este é um caso à parte, que te contarei outro dia. Agora vai, vai princesinha, brincar no pequeno reino do teu jardim, que te coube, afinal.

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A avó Frida continuou a contar, durante um período, a pedido meu, as histórias do Condestável Gottfried e da sua pobre esposa inglesa Lady Margareth, que para o resto de seus dias foi possuída somente pelo fiofó, e a seco. É claro que com o tempo, ela também, somaticamente começou a secretar um fluido lubrificante, por ali, o que amenizou as coisas para a coitada. Minha avó ria tanto quanto eu com aquela estória, que desconfio que ela tinha inventado inteiramente, e começo a suspeitar que foi dela que herdei minha imaginação literária, e meu humor satírico, que não exploro muito, mas já denunciado por alguns.
Verdadeiro ou não, não importa, o mais incrível quanto àquela lady, foi ela ter tido muitos filhos, depois daquele primeiro entregue aos camponeses; e pelo fato de que as coisas não se repetem sempre da mesma maneira, a tal teoria do escorrimento de sêmen, não colava mais, o que nos faz deduzir que o responsável por aquelas inseminações continuava sendo o desconhecido amante de Milady, que não parecia nominalmente na estória e cuja identidade permanece um mistério. O fato é que o duque passou a ter uma fama de sodomizador emérito, a quem as mulheres, que tinham dificuldade de conceber, recorriam em peregrinação, vindas de longe, de outros castelos. Na tardou a começar a receber também camponesas, e por isso foi considerado muito caridoso e magnânimo, sendo que essas criaturas mais rudes freqüentemente eram trazidas pelos seus próprios maridos estéreis, e nessas ocasiões eram recebidas no celeiro do duque, sobre a palha, para que o cenário e o leito adequado as ajudasse a conceber.
Diante da minha divertida estupefação, afinal, de guria de doze anos, minha avó revelou o segredo daquilo. Tudo não passava de um truque do duque que amava aquela modalidade, a de Sodoma, e fazia parceria com o amante de sua mulher, já que ele mesmo era estéril. Com isso, as mulheres saíam coniventes com o truque, para poderem se vangloriar, depois, da estirpe nobre de seus rebentos, pois o cavaleiro anônimo era de fato plebeu, camponês mesmo, mas bonitão e de impressionante virilidade e fertilidade, possuindo uma ferramenta estupefaciente e abismal.
Louvado seja Deus que inspira no homem soluções para todos os problemas!

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Lady Margareth estava já no seu quarto rebento, e continuava andando como pata choca, após os longos períodos de gravidez. O povo dizia que era pela continuada técnica de Sodoma, e que seus filhos todos seguiriam o manual. Mas a verdade é que, talvez por aquela razão, aquele era um ducado feliz, pois tal prática, de um jeito ou de outro aproximava o grão-senhor do seus súditos, embora por trás, coisa que não acontecia em nenhum outro feudo.
Então, após longo período de paz, em que a população do feudo cresceu graças ao Grande Sodomita, estourou afinal a guerra necessária, que deveria evitar a fome, com a supressão de expressiva parte da população jovem, e a reacomodação dos mais espertos, senão dos mais aptos. A batalha de Wolfsburg, também chamada a batalha dos lobos, pois esses foram os que mais lucraram, com o campo de vinte mil mortos e feridos, o Sodomizador-mór, como também era chamado, venceu seus inimigos e submeteu-os a todos à especialidade que o consagrara, o que motivou uma revolta para além dos seus domínios, que acabou por derrubá-lo politicamente, já que pelas armas o vencedor era ele. O rei da Prússia exigiu sua demissão como condestável, e que confinasse sua prática a intra-muros do seu castelo. E que fosse mais discreto, desistindo de instituí-la como tradição de seu feudo.
O duque e seu ducado iniciavam sua decadência. Gottfried começou a definhar, com o término da Era Feliz, que ele, paradoxalmente, iniciara com a suposta humilhação pública, ou de copa e cozinha, de sua mulher estrangeira, de ruiva cabeleira e penugem. E alvas nádegas.
Não sei, realmente, se esse episódio me foi também contado por minha avó Frida, ou se eu o inventei. De qualquer modo, tem tudo para ser verdadeiro.
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As estórias do Condestável Gottfried cessaram. Mas elas tinham servido para me aproximar de minha avó, que eu agora não via mais como uma bruxa, mas como uma druidisa ou bardo de saias, que narrava as sagas picarescas do nosso passado germânico e celta, já que havia sangue inglês e irlandês, envolvidos nas nossas origens familiares. Não muito tempo depois disso, eu iria velar seu corpo no salão da estância, toda de preto no caixão, com seu grande nariz adunco, quase encontrando a ponta aguda do seu queixo proeminente, e sua boca sumida, sem lábios, enrugada, que completava o retrato de feiticeira que me impressionava tanto, e que eu, de certa forma, admirava. Seu longo cabelo branco (ela nunca fizera o coque usual das velhinhas), estava esparzido sobre os seus ombros esqueléticos e misturava-se às flores. Eu olhava fascinada, embora não vertesse uma lágrima, pois minha avó não me comovia, estranhamente, pois eu a associava ao sentido humorístico da vida, achando, mesmo, acreditem, que naquele momento, a melhor forma de homenageá-la seria contar uma anedota histórica ou folclórica, coroando o seu fecho com uma grande gargalhada coletiva. Esse pensamento, me fez sorrir ligeiramente, o que foi notado por minha mãe que me deu um ligeiro tapa no rosto. Eu nunca seria compreendida por minha mãe. Como poderia, afinal, eu, a esquisitinha alegre, a extravagante, ao seu ver, uma excêntrica precoce apesar de minha ingenuidade encantadora, deixar de ser incompreendida por aquela criatura convencional que... no entanto, me amava, isso sim, incompreensível? Diante daquele tapa, me comovi finalmente, mas comigo mesma, com minha solidão em relação à minha mãe, da qual arranquei um movimento de cabeça aprovativo às minhas primeiras lágrimas, adequadas, naquele velório da nossa bizarra matriarca, estranha ... e querida, afinal.

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