quinta-feira, 13 de setembro de 2007

A prima alemã (de Alma Welt)

( Dos “Contos Secretos”, de Alma Welt )


Entre as inúmeras memórias dos amores que fruí, na minha rica vida no meu Pampa, desde a infância, sob a égide da minha macieira e de Rôdo, meu irmão, ocorreu-me agora pinçar desse arquivo impalpável, algo também inesquecível pela breve intensidade, episódio esse que chamarei: “a prima alemã”, mas da qual não citarei o verdadeiro nome, pois vive ainda, na sua Alemanha natal.

Eu era adolescente de dezesseis anos, no auge talvez de minha beleza, que as pessoas reputavam quase irreal, dada a minha alvura e o contraste de cores dos meus olhos verdes e meus cabelos louros arruivados, como ouro velho, a que já me referi alhures. Minha sensualidade espontânea e um tanto acima da média daquela época, fazia-me o alvo das críticas e implicâncias de minha irmã Solange, e da vigilância de minha mãe açoriana, que na verdade eu conseguia habilmente driblar.

Rôdo fora excursionar uma temporada com seus colegas da escola, deixando-me um tanto só e carente, num período de introspecção melancólica, quando recebi a notícia da chegada de uma prima alemã que vinha da Bavária, conhecer os parentes brasileiros, do extremo sul do Brasil, em especial a prima Alma, de sua mesma idade, e de que lhe falaram tanto em cartas: a prima bela que escrevia poemas, dançava balé e pintava, que era eu.

Assim, eis que afinal chegou a prima (vou chamá-la Helga), e me surpreendeu. Uma linda alemã, loura, de olhos azuis, tipicamente germânica, cujo elemento de surpresa portanto era outro, que não as suas características físicas, mas o timbre ativo, quase viril de sua sensualidade inesperada. Helga chegou, botou seus olhos sobre mim. e se apaixonou, imediatamente. Eu estava um tanto surpresa, embora estivesse acostumada à recorrência desse fato, já então, em minha vida desde a infância ( já lhes contei, leitores, o episódio da “preceptora”, de quando minha mãe tirou-me da escola pelo constante perigo das paixões que eu despertava).

Mas Helga, sendo bela e prima da mesma idade, não levantaria jamais suspeita em minha mãe, embora o fizesse, sim, em Solange, minha irmã, e espiã incansável. Consegui, no entanto ficar a sós com minha prima e confidenciei-lhe precipitadamente, como um acordo tácito ao primeiro olhar, a situação de vigiada em que vivia, sem necessitar explicar a causa, naturalmente. Pronto, estávamos entendidas, e estabelecida a cumplicidade. Dali por diante, pegávamos a mão uma da outra e fugíamos para cá e para lá, em busca dos recantos relativamente seguros que descobríamos, para despistar Solange. E isso, por si só fazia nosso coração bater mais forte e nos aproximava mais e mais. Logo passamos a nos beijar nos lábios, para comemorar, assim que descobríamos novo esconderijo. O perigo daquele jogo de esconde-esconde, com a megerinha da minha irmã, e a ameaça repressora de Ana Morgado, minha mãe, tornava aquela temporada aventurosa para duas meninas, e começamos, conseqüentemente, a nos sentir apaixonadas. Como dormíamos no mesmo quarto, com a Lúcia, minha outra irmã meio sonsa, mas que permanecia neutra conquanto eu suspeitasse ser uma disfarçada agente de Solange, nossa noite só começava quando ela estava seguramente adormecida, e levantávamos de nossas camas, pé-ante-pé, fugíamos do quarto e atravessando a sala do casarão adormecido, alcançávamos a varanda e atingíamos o jardim florido, fantasmagórico, prateado sob a imensa lua de verão, e chegávamos de mãos dadas e já aos beijos à minha antiga casa de bonecas, que embora pequena nos oferecia uma relativa segurança, pois eu levava meu cadernos de poesias, como um álibi, para pretextar confidências poéticas de moças, ou uma ajuda na versão dos meus versos para o alemão, caso fôssemos surpreendidas. Para todos os efeitos eu estaria lendo meus novos poemas para Helga, já que tivéramos insônia.

Ali, caíamos nos braços uma da outra, em beijos apaixonados, ofegantes, com o coração aos pulos, como eu ficava também com o Rôdo, em análogas situações. Helga era ardente, como eu, e nossas afinidades me deixavam em êxtase, eu não me sentia mais só, jurando amor eterno uma à outra. Logo estávamos deitadas num colchonete que eu camuflava na casinha de bonecas e que estendíamos no chão para passarmos a noite abraçadas e aos beijos, até o alvorecer, quando os cantos dos pássaros, junto com os primeiros albores, nos recordavam a cotovia e o rouxinol de uma Julieta duplicada, que éramos nós, que contínhamos um Romeu, também, em nossas almas apaixonadas.

Nossas noites foram ficando mais e mais ardentes e excitantes, e logo estávamos instintivamente nos descobrindo em nossas reentrâncias mais recônditas, apalpando-nos, ofegantes, com o coração acelerado de medo e paixão. Ficávamos com nossas lindas e rosadas vulvas encharcadas por dentro como já constatávamos e provávamos. Já procurávamos instintivamente a maravilhosa e feliz posição de sessenta e nove, nuínhas, suadas e febris, nas noites do verão de nossa ardente juventude, encontrada em amor e desejo na minha casa de bonecas, no meu jardim, com aquela linda alemãzinha, hóspede do meu coração, para sempre, eu pensava, e do meu Pampa, que eu queria estar apresentando a ela em sua essência e plenitude, mas que só podia oferece-lo em meu corpo de donzela germânica, como o dela mesma.

Então, como sempre acontece nas verdadeiras estórias de amor, o destino interferiu, para apartar os amantes. Fomos flagradas: Solange que seguiu-nos uma noite, ela também de camisola e saída do seu leito como um cão farejador do nosso rastro de amor, abriu violentamente a porta de minha casa de bonecas, e pegou-nos nuas, e com as mãos em nossos sexos molhados, cujo perfume dominava o pequeno ambiente do nosso “ninho de amor”. Com olhar furibundo, a pequena megera, gordinha, e invejosa, gritou: “Vocês, hem, sem vergonhas? Vocês vão ver, quando mamãe souber. Vai expulsar a Helga e botar a ti no internato, tu vais ver, depois de uma surra de vara de marmelo! ”

Meu coração parou, mais do que de medo, de vergonha e humilhação diante da minha pequena amante, que não entendeu as palavras ditas em português mas captou-lhes o perigo, na entonação detestável e tirânica de Solange. E então, comecei a implorar, por Helga, por nós, de joelhos diante da opressora.. Segurando sua mão gordinha, eu ali , nua a seus pés me humilhava na tentativa de poupar maior vexame ao meu amor, e sua perda irreparável, eu pequena melodramática, como uma princesa de insólita opereta, estava prestes a abraçar as gordas pernas da megerinha.

Então o improvável aconteceu. Helga, a linda alemãzinha, ergueu-se nua, como uma ninfa ou náiade do luar, branca e loura como uma aparição de beleza, e estendeu o lindo braço, suavemente, para Solange e tomou-lhe a mão nas suas, olhando-a mesmericamente nos olhos, e sussurrando em alemão :”Komme, komme, meine Geliebte, vereinigen...” Venha, venha meu amor , junte-se a nós .

Eu, atônita, pega de surpresa por aquele gesto inesperado, que no entanto, pela sua suavidade, não soava como um saída desesperada, de minha amiga, paralisada vi minha namorada, meu amor, abraçar Solange desarmada, que começou a tremer enquanto a ninfa loura a despia de sua camisola deixando-a cair a seus pés, enquanto olhava com ternura verdadeira, percebi, as formas redondas de minha irmãzinha mais velha, não destituídas de encanto, na verdade, como as de uma camponesa germânica de outrora, com o seu tufo ralo de pelos ruivos encimando-lhe o alcochoado e alvo monte de Vênus. E então, pasmem, vi Solange, a feitorinha implacável, tremendo emocionada dos pés às faces de gordas bochechas coradas como maçã, enrubecida de emoção, ajoelhar-se junto com Helga, sobre o colchonete, no abraço envolvente, apaziguador, daquela surpreendente alemãzinha, e juntas deitarem-se, olhos nos olhos, os de Solange cheios de lágrimas de insuspeitada gratidão.

Também a minha irmã queria o amor. Também a menina gorda, de beleza recôndita, num minuto revelada, nescessitava, como eu... amar e ser amada!

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Fevereiro de 2005

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