segunda-feira, 7 de abril de 2008

O escultor

(Dos Contos Secretos, de Alma Welt )


Recebi um convite para a abertura de uma exposição de um escultor , cujo catálogo, pela beleza das peças reproduzidas, me impressionou. Há muito tempo eu não via esculturas figurativas que fossem tão convincentes. Desde Rodin, eu acho. Sem ser acadêmico, embora ligeiramente naturalista, tem um certo grau, sutil, de estilização pessoal, cheio de sensualidade, e até mesmo erotismo, que me encantou. Algumas de suas peças, realmente ousadas, me fascinaram: ele, assim como o grande escultor francês do passado, não teme expor a intimidade de seus modelos, como fazem, hipocritamente, alguns artistas. Mas é claro que foi, sobretudo, pela qualidade técnica e pelo superior plano estético, cheio de uma força madura, não simplesmente agressiva, que ele me aliciou, me cativou com a sua arte. Eu quis, imediatamente, conhecer esse escultor, de quem, no entanto, não revelarei o verdadeiro nome, aqui, neste relato, por razões óbvias.
Na noite da inauguração, no museu, lá estava eu, vestida com o que tinha de melhor, mas sem maquiagem, pois, como dizem alguns, já sou suficientemente colorida, com este contraste entre meus cabelos louros arruivados, minha pele alvíssima, e meus olhos verdes. Saliento isso, pois foi o que chamou a atenção do meu escultor, com sua noite cheia de mulheres belíssimas, que o assediavam nada sutilmente.
Cheguei, chamando atenção, mas mantive-me discreta, observando, encantada, as maravilhas do escultor, que realmente me atraíam por elas mesmas. Eu tinha vontade de tocá-las, e cheguei mesmo a fazê-lo, para sentir as formas deliciosas de uma figura de adolescente, de suave sensualidade. Eu não queria aproximar-me do escultor, tomando a iniciativa. Esperava que ele me descobrisse ali no meio de todas aquelas mulheres, e isso realmente aconteceu. Senti uma forte e grande mão, poderosa, abarcando meu braço fino e roliço, vinda de trás e abaixei a cabeça meio de lado para olhar essa mão, mas já esperando que fosse a dele, o grande escultor. Virei e defrontei-me com um homem alto, maduro, belo, de têmporas grisalhas e nariz enorme, de corte italiano.
Máximo (eu o chamarei assim), olhava-me fundo nos olhos, dizendo:
–“Signorina, permita-me que eu me apresente. Sou o escultor dessa peça que você acariciou de maneira tão encantadora. Peço-lhe que imagine as suas próprias formas, sua própria beleza magnífica numa peça que poderíamos fazer. Deixe-me esculpi-la, signorina, embora já seja uma escultura viva, e ao mesmo tempo uma pintura.”
Fiquei encantada com a delicadeza, clareza e honestidade de suas palavras, ao mesmo tempo galantes. “Esse homem é sincero, eu pensei, embora nem saiba que eu aceito, perfeitamente, segundas intenções, pois sou tudo, menos uma hipócrita, e conheço o desejo dominante dos homens, sua contida luxúria, geralmente disfarçada em público. Sorri e estendi-lhe a mão, de uma maneira um pouco antiga, démodeé, que ele não se apressou em beijar, mantendo os olhos fixos nos meus, de maneira hipnótica.
Começamos um intenso colóquio de artistas, plenos, assumidos, e logo estávamos de mãos dadas. Outras mulheres olhavam-me com ódio, algumas com curiosidade. Logo começaram a puxá-lo, para afastá-lo de mim, chamando sua atenção com elogios cheios de exclamações, e para posarem para o fotógrafo ao lado dele. Ficaram mais furiosas ainda, eu percebi, quando o fotógrafo foi buscar-me pela mão, ao me afastar discretamente, e fez-me voltar para o lado do escultor, que me abraçou o ombro para a pose da fotografia, enquanto eu sentia o calor de sua mão quase queimar meu ombro nu. Fiquei muito tempo com aquela sensação no meu ombro, que precisei acariciar, para neutralizar, a quase queimadura, que me arrepiava. Resolvi retirar-me logo, o que fiz, como uma fuga, mesmo, sem despedir-me do escultor. Eu temia me expor a um vexame. Perdera a segurança. Eu me sentia perdida de atração por aquele homem, por aquele artista. Tive que bater em retirada.
Nos dias seguintes, quando me lembrava dos lances daquela noite, a sensação de suave queimadura voltava a aparecer no meu ombro. E lembrei-me do mito de Psiqué, em que o azeite da candeia ferira o ombro de Eros fazendo-o adoecer de amor. Sentia-me como uma Psiqué às avessas, atingida por minha vez, pelo deus alado, de formas escultóricas. Mas um Eros maduro, em sua plena força de homem, e sem asas, bem pousado na terra, onde me queria também, no máximo sobre um pedestal de bronze ou de granito. Eu ansiava posar para ele. Ser esculpida por ele. Eu esperava esperançosamente seu telefonema, embora eu não tivesse tido tempo de deixar-lhe o meu número. Mas eu sabia que e isso não era problema. Eu não perdera um sapatinho de cristal, retirára-me bem antes da meia-noite, e tinha ido à pé, não montada numa abóbora. Mas ele se informaria. Ele encontraria a pista da Alma. Da pintora e poeta Alma Welt.
Isso aconteceu no terceiro dia, afinal. O telefone soou no ateliê, e era ele. Eu sabia! Com sua voz grave, macia, ligeiro sotaque italiano, charmoso, ele me envolveu, e a sensação de calor, vinda do ombro, tomou meu corpo todo, principalmente ali em baixo, obrigando-me a acariciar-me. Confesso que, ao desligar, tive que masturbar-me demoradamente até atingir um orgasmo imperfeito, pois meus braços, afinal, permaneciam vazios.
Senti, depois desse telefonema que perdera o controle de mim, que se o meu escultor demorasse, eu iria até ele, submissa, cativa, e me ofereceria como sua escrava. Eu sou assim. Tenho um tal orgulho e consciência de meus dons, que oferecendo-me inteira a um amor, me sinto maior, mais grandiosa, magnânima, como uma rainha dadivosa ou mártir. É como se oferecendo meu corpo, dessa maneira extremada, fizesse uma dádiva preciosa, a suprema dádiva. Nisso sou antiga: trago uma carga romântica comigo da qual nunca quis me desvenciliar, e por isso, há algum tempo, caí sob suspeição das feministas, acusada (pasmem) injustamente de “machismo”!
Sim, eu ansiava pelo meu príncipe escultor, que afinal, no dia e hora marcados, adentrou o meu estúdio, e me encontrou... nua, quero dizer... .metaforicamente falando, o que é a mesma coisa!
Eu estava toda atrapalhada diante do belo italiano, tentando preparar-lhe um café, do qual ele não fazia menor questão, mas que teve a serventia de me dar tempo de acalmar as batidas do meu coração, e a ele, de observar-me atentamente, devorando-me com os olhos, que eu sentia até pelas minhas costas, atarefada diante da cafeteira, à pia da cozinha americana. Afinal, servido, ele tirou das minhas mãos a pequena xícara que eu lhe oferecia. Pousou-a, mais afastada, e tomando minha cintura entre suas mãos enormes, que praticamente a abarcaram, ergueu-me sobre a pia da cozinha e levantando minha saia, enquanto tirava, habilmente seu mastro pela braguilha aberta do jeans, abrindo minhas pernas encostou sua imensa glande na porta da minha vulva que o acolheu, palpitante, agradecida. Ele me penetrou profundamente enquanto eu soltava um suspiro profundo e doce, que o comoveu, eu percebi, apesar de tudo, de estar quase desfalecendo, mas com minhas pernas erguidas abarcando sua cintura. Ele explodiria dentro de mim seu jorro branco, leitoso, e não me perguntem jamais pela camisinha, eu nem poderia pensar nisso: queria ser preenchida por esse homem, pelos sumos desse homem, e ficar escorrendo dele, para sempre, essa é que é a verdade!
A seguir comigo literalmente enganchada nele, carregada no seu colo, sem sair de dentro de mim, ele giraría eufórico pelo ateliê, em meio às telas, ambos às gargalhadas, antes de, orientado por mim, naquela espiral, pelas minhas mãos que agarravam portas e batentes, corrigir o seu rumo em direção ao quarto... ao nosso leito!

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Acordei com o Máximo assobiando na cozinha, feliz, preparando o café que, agora sim, tomaríamos juntos. Ele trouxe uma bandeja completa, e pousando-a no chão, abraçou-me, nua que ainda estava, com uma saudação matinal em italiano, que mais me enterneceu. Abracei-o, puxando-o sobre mim, com a mão direita colhendo e orientando seu pênis para dentro de mim, mais uma vez. Esse homem forte, esse imenso macho iria explodir, mais uma vez, de prazer, de gozo extremo, e estaria aprisionado, eu sabia, por muito tempo, talvez para sempre. Minha feminilidade, eu a sentia primitiva, arcaica, primordial, e não hesitaria em exaurir o meu homem até fragilizá-lo entre minhas mãos, como um menino, como um bebê que eu então acolheria no meu útero, para recomeçar o ciclo perene, o eterno retorno.
Mas, afinal as coisas não ocorreriam assim. Eu não seria pra sempre a sua mulher, ele não me fecundaria apesar de plena de seu branco sumo, abundante, que escorria sobre o meu leito saturado de nossos aromas. Mas devo descrever pelo menos a nossa primeira sessão de pose e escultura: eu nua, gloriosamente nua, em minha alvura extrema, como um mármore de Carrara vivo, para ser transformado em dourado bronze, como ele me projetava em sua imaginação. Mas antes de começar a moldar a argila, ele precisaria desenhar-me cem vezes, e ele o fazia apalpando meu corpo, avidamente, como se moldando-o entre suas mãos que acompanhavam minhas curvas, sofregamente, tateando minhas reentrâncias, enquanto eu estremecia de surpresa e de prazer. Acabávamos rolando pelo assoalho do ateliê e a obra era adiada, mais uma vez. Começava a desconfiar que ela nunca começaria, ou nunca ficaria pronta, não naquele nosso ciclo de vida, pelo menos. E eu não me importava. O grande escultor me amava, ou pelo menos estava apaixonado por mim, e me moldava entre as suas potentes mãos, pelo menos para as carícias luxuriosas, que me encantavam, que me arrebatavam, na verdade. Ele não estava fadado a realizar o simulacro ideal do meu corpo, moldado pelo divino, talvez ciumento de sua obra. Talvez a um outro escultor menos dotado seria dada a permissão.
E ele, Máximo, o escultor, o grande artista, partiria um dia, há um só tempo saciado e frustrado, abandonando a mim e sua obra mal começada, que se esboroaria aos poucos em meio às minhas telas.


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11/05/2005

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