segunda-feira, 7 de abril de 2008

O Seminarista

(dos Contos Secretos da Alma, de Alma Welt)



Rôdo trouxe um jovem amigo seu, seminarista, para passar umas férias em nossa estância. Meu irmão, sempre surpreendente, tem amigos de todos os tipos, e de todas as profissões. Mas eu não esperava isto: um seminarista, um jovem religioso, segundo ele com autêntica vocação religiosa.
André, o jovem, é quase belo, com um perfil ascético, e olhos sonhadores, místicos. Tenho conversado com ele sobre a existência de Deus, sua sabedoria e amor, que é um ponto pacífico no nosso diálogo. Mas... a existência ou não do Diabo, produziu um pequeno desacordo entre nós. André garante que o diabo existe e tem o poder de tentar-nos... e perder-nos. Que muitas almas foram realmente para o Inferno, irremediavelmente, não tendo se arrependido em vida e renunciado ao serviço do Cujo. Confesso que a conversa me perturbou, e depois meu sono já não foi o mesmo, e tive uns pequenos cauchemars Tenho muito medo de ter medo, e quando caio nesse círculo vicioso, posso perder a paz por uma semana. Mas não sou uma criatura covarde, longe disso. Eu sempre reajo, no final. A verdade é que sou influenciável, quero dizer, frágil e dependente demais do amor alheio. É interessante observar que todos os artistas são assim. Os grandes foram assim, com exceção do maior de todos, Leonardo da Vinci, que ao que parece, pairava acima da maioria das paixões humanas, salvo o sonho de voar, literalmente, com asas de pássaro.
André tem me procurado para continuar a nossa conversa sobre o Cujo, mas para mim basta. Prefiro não falar dele, pois temo que isso possa, de algum modo, invoca-lo, pois os pesadelos me deram uma amostra disso. Ontem, porém, André cercou-me na varanda, e disse-me:
—Alma, se quiseres, posso provar-te que o Diabo existe, e está em toda parte, bastado que o chamemos para ele se por ao nosso serviço, cobrando. é claro, depois, a nossa alma.
–André—eu disse—sei disso, mas ele pertence ao lado escuro da alma, “ele” é só isso, a sombra da alma, que dorme no escuro, e não deve ser despertada. É o lado arcaico, imemorial. O instinto primal, destrutivo, que nasce com o primeiro vagido, junto com a pulsão construtiva de vida, de amor. Por quê queres invocá-lo, se nem sequer estamos acuados, em perigo, ou em crise?
—Alma, se tu o avistares, como posso demonstrá-lo esta noite, no teu pomar, terás a prova do seu contrário, da existência material e espiritual do próprio Deus, pelo seu oposto. Queres experimentar? Ousa! Não te arrependerás!
—André— eu disse—recuso-me. Acredito em ti, e posso perceber, agora, claramente que ele existe. Ele está certamente a me tentar através de ti, e por isso quero que desistas, e deixes a minha casa.. Não quero mais a tua presença aqui entre nós, nesta estância, pois “aquele” está claramente servindo-se de ti. E se tu percebes ou não, é irrelevante, pois igualmente perigoso. Não mereces mais a minha confiança, pela tua proposta, tua imprudência ou maldade. Vai-te, pois, vou pedir a Rôdo que te leve à estação agora mesmo, e não ouse propôr a mesma coisa ao meu irmão.

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