quinta-feira, 3 de abril de 2008

O violeiro

(dos Contos Secretos de Alma Welt)


Eu precisava encontrar um violeiro que me acompanhasse num recital de meus poemas que pretendia fazer. Mas a verdade é que não o encontrava do meu gosto, até porque o imaginava belo, jovem, mais ou menos como o Almir Sater, com aqueles olhos verdes, como os meus.
Então, depois de anúncios, contatos, decepções, surgiu um jovem violeiro, erudito, capaz de tocar tudo, até Villa-Lobos e Bach, bem como as toadas dos nossos sertões, da caatinga nordestina ao pampa. Esse rapaz vive para o seu instrumento e parece não se importar com mais nada, a ponto de nem sequer perguntar quanto pretendo pagar pelo seu virtuosismo, ou dar ele mesmo o seu preço. Recebo-o todos os dias, para os ensaios, e declamo os meus poemas com meu sotaque gaúcho, que não me parece ideal para o meu próprio lirismo. Mas ele parece encantado comigo e minha poesia, e não serei hipócrita contigo, leitor, de declarar-me surpresa com algo que tu sabes, que estou deveras acostumada. Ser cortejada, cantada, assediada, faz parte da rotina da minha vida, desde a adolescência. Não se trata disso, portanto, mas do meus impulsos e desejos, a que obedeço, com o risco, sempre, de ser mal entendida até mesmo por ti, ó leitor inconstante. Ser-me-á leal? Não me detratarás por aí? Então continuo:
Aristeu Magno, o violeiro, já não consegue desviar os olhos de mim, e toca sem parar, como se fosse seu discurso amoroso, sua “charla”, que derrama sobre mim, para enredar-me, para capturar-me com seu único poder, o musical. Ele parece acreditar na eloqüência amorosa do som que derrama de sua viola, e com certa razão, pois já estou comovida e acreditando no merecimento de um prêmio por parte deste jovem filho de Orfeu.
Pára, leitor, não me reprima. Não tentes deter-me. Sim, vou dar-me a ele, o violeiro, serei a sua viola por uma noite ao menos, para ele tanger-me com seus dedos hábeis, com sua empunhadura forte, com as batidas rítimicas que lhe aprouver. Assim, transformar-me-ei na própria música em suas mãos, não somente uma musa casual, de passagem. Ele saberá dar valor ao contraponto que farei, à harmonia que faremos numa noite de festa , no terreiro do meu leito.
Então, Aristeu veio mais uma vez, ensaiou até o momento em que retirei a viola de suas mãos, e o conduzi ao meu quarto, semeando no caminho o assoalho do corredor com as peças de roupas que tirávamos caminhando.
Ali diante do leito, quase nus, olhávamos nossos corpos, examinando nossos detalhes, jovens , exuberantes, e atiramos para cima a última peça antes de mergulharmos com gritos de alegria, um no outro, como já o fazíamos em nossa música e poesia..

O resto é música.

10/08/2006

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